Cavaleiro

Cavaleiro
Os créditos da ilustração são de André Marques - www.andre.art.br

HEMORRAGIA

(Uma lúcida alucinação)


À dor que o verdadeiro brasileiro tem dentro de si.
A todos brasileiros que sofreram nos cárceres.

I

Ano santo da graça
de mil novecentos e oitenta.
Trevas habitam no mundo
íntimas da existência humana,
da sua inconsistência.
São intensas, imensas, infindas
autênticas, patéticas e reais
verdadeiras e inconfundíveis.
São bonitas para o que são,
são apenas  TREVAS...
II
Ronda o espectro do medo,
o não das trevas envolventes,
mas das sombras que causaram.
Do frio destas nódoas
onde ausentou-se o sol,
e verdades purgaram como musgos
pequenos, úmidos, acobertadores,
envolvendo em seus mantos vivos,
alimentando-se do ruim e do pouco,
tentando inocuamente ser.
        
III
Em trevas cresceram mentiras,
floresceram nos jardins subterrâneos
adubados com suor, urina, vômito
fezes, sangue e coragem,
acalantados pelo urro visceral
das entranhas rasgadas
em pérfidas duzentos e vinte carícias.
Alma alagada de ódio,
língua ferida triturada nos dentes.

IV
Tensão apavorando o temor,
a cabeça cintada explodindo
cagada da inteligentia universal
salpicando dor às retinas...
Os desesperos dum coração sangrento,
hemorrágico – hemofílico,
desunido em  sílabas distintas
A – MAR – GU – RA – DO,
afogado em profundezas fétidas,
abraçado por sargaços gosmentos.

 

 V

No clarão explodem os gametas
marcha rude um exército de Pinóquios
armados de mentiras e escopetas
torturando de mágoas os Gepetos,
que perderam seus filhos das celas,
sem choros, sem reza,  nem velas,
nem fitas verdes ou amarelas.
Apenas a moldura tirânica
no álbum da liberdade:

P R O C U R A D O S !


VI
Agonia da ave esguia na Ribeira,
Iara morta na Vitória – Régia,
Buriti Luminoso tremulando contra o céu,
mudá-LA  MARCA o tempo e história.
A mancha desordena, é o retrocesso!
A bandeira é pano, lábaro de revolta,
Ousar Lutar!    Ousar Vencer!
Cada eco seco atingindo irmãos
passeia impune no brilho das estrelas,
perfila-se na raiva do cão,
masturba-se na vergonha da farda.
  
VII
No quedaço do martelo
(fecha-se impune) mais um dossiê de mentiras,
expirar solitário e moribundo do ideal,
crueza dos sofismas,
massificação das balelas,
Leros – leros e quás – quás – quás.
Confinamento em argamassa,
painel das inconstitucionalidades.
público escárnio desinformado,
nevasca de confetes e serpentinas.

VIII
Saci – Pererê numa calça jeans
teefepeia nas salas de aula
com marmelo e água benta.
Suicida nativo das raízes,
Caapora  hipotecou a vara de catetus,
que tabaqueia Half and Half,
desfila numa montada em Manaus.
Mula - Sem - Cabeça padece de enxaqueca...
Às oito, a novela deforma e domina,
e na esquina o Mengo é sempre campeão.

IX
O jovem na plenitude do seu corpo
não se explica, nem se entende
como parte do processo imposto.
Suas atenções são folegos  e bíceps,
suas habilidades são de equilíbrio...
ele patina, surfeia e windsurfeia,
de skate, despenca ladeira e geração abaixo,
bonito é o macacão de listras, a tatuagem,
e... no fundo perdido da gaveta,
virgem, amarelece o Título Eleitoral !

X
Na consciência do povo o monstro
Xifódimo: Terror e Violência,
forjado na bigorna das casernas,
dos porões mofados onde, em corolários,
bestialidades sodomizavam aos moços,
empalavam sadicamente a rapariga,
em nome Fiel da justiça,
da Ordem e do Progresso,
da Segurança e da Família,
da paz e do amor...

XI
Açoitados com sais,
coroados em espinhos,
arranhados por farpas,
agitados em choques,
chutados por coturnos,
afogados em amoníacos,
queimados por brasas,
arrastados em cimentos,
atirados dos helicópteros,
Empilhados em covas rasas.

XII
R astilho da esperança
E mbrião imortal da humanidade
V italidade necessária
O timização dos povos
L iberdade das mentes
U niversalidade das razões
C anções uníssonas
O des às igualdades
E pífrase das leis
S alvação do HOMEM.

© Gabriel Ribeiro
       -  1980  -
Blog “Beco das Bicas”: http://becodasbicas.blogspot.com/

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