Cavaleiro

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Os créditos da ilustração são de André Marques - www.andre.art.br

Uma família de químicos unindo Brasil e Portugal: Domingos Vandelli, José Bonifácio de Andrada e Silva e Alexandre Vandelli


Adílio Jorge Marques e Carlos Alberto Lombardi


Resumo

Durante aproximadamente um século, da metade dos setecentos a meados dos oitocentos, três gerações de químicos uniram dois países, Brasil e Portugal, ajudando a mudar a história política e científica de ambos. Eles tiveram papel destacado em conduzir a Química e a História Natural de Portugal a um melhor desenvolvimento e reconhecimento acadêmico. O processo se iniciou com Domingos Agostinho Vandelli (1735-1816), naturalista italiano trazido a Portugal em 1764 pela reforma pombalina, e que foi mestre de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) em Coimbra. O filho mais velho de Domingos, Alexandre Antonio Vandelli (1784-1862), viria a casar-se em Lisboa no ano de 1819 com a filha de José Bonifácio, Carlota Emília de Andrada. A ciência luso-brasileira viu surgir assim uma linhagem de químicos e naturalistas que se uniram não apenas pela afeição às Ciências Naturais, mas também por fortes laços familiares.

Palavras-chave: naturalismo, ciência luso-brasileira, Vandelli e Andrada.


O início: o Mestre Domingos Agostinho Vandelli

            No século XVIII a educação em Portugal era responsabilidade quase exclusiva da Companhia de Jesus. O poderoso Ministro de Estado do Rei D. José I (1750-1777), Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), mais tarde 1° Marquês de Pombal, promoveu no país uma reforma educacional radical após decretar em 1759 a expulsão dos jesuítas de todo o território de Portugal e de suas possessões. Pombal introduziu importantes mudanças no sistema de ensino superior do reino, passando-o ao controle total do Estado. A Universidade de Évora, de cunho jesuíta, foi extinta e a Universidade de Coimbra passou em 1772 por uma grande reforma, sendo totalmente modernizada para os padrões da época. Nessa reforma se introduziram os estudos das ciências modernas, até então banidas do currículo da Universidade. Estes estudos, centrados na recém-criada Faculdade de Filosofia, compreendiam a História Natural, a Química e a Física.
            Para esta reestruturação universitária, Portugal importou professores estrangeiros, em virtude da inexistência de profissionais versados nas ciências modernas no país. Um dos mais notáveis e influentes destes estrangeiros foi o médico, químico e naturalista Domingos Agostinho Vandelli, natural de Pádua. Domingos Vandelli foi contratado para lecionar História Natural e Química no Colégio dos Nobres, indo depois para a Faculdade de Filosofia de Coimbra em 1772, dentro do espírito iluminista da “Encyclopédie”. Sua formação acadêmica era baseada nos ideais da sistematização do conhecimento, devendo servir ao homem para classificar e catalogar a natureza, apreendendo o Universo com a razão. Partindo de tais atitudes, Domingos Vandelli mudou a visão da ciência em Coimbra, inaugurando não apenas as disciplinas de Química e de História Natural, como também o próprio prédio do laboratório químico da universidade. Este foi provavelmente o primeiro prédio construído no mundo com a função precípua de abrigar laboratórios de Química. Havia muitos laboratórios mais antigos em outros países, mas alojados em prédios adaptados para a função. No prédio setecentista funciona hoje o novo Museu de Ciências de Coimbra. Na sua primeira aula de Química, Vandelli começou o programa expondo a história da disciplina aos seus alunos, e dissertando sobre a afinidade ou atração química (Ferraz, 1995).
Domingos Vandelli adquiriu ao longo do tempo outras funções em Portugal, tais como a organização do Jardim Botânico e do Museu de História Natural de Coimbra e do Jardim Botânico do Palácio da Ajuda em Lisboa. Ocupou-se ainda em Coimbra da fabricação de louças que levavam o nome familiar de “louça de Vandelles”. Vandelli permaneceu no cargo de diretor do laboratório químico até 1791, quando se aposentou, ficando a cátedra de Química na universidade a cargo de seu ex-aluno Thomé Rodrigues Sobral, enquanto seu outro ex-aluno, o brasileiro Vicente Coelho de Seabra Silva Telles era nomeado demonstrador da mesma disciplina.
Vandelli foi um grande professor, dotado de uma enorme capacidade de entusiasmar seus alunos numa variedade de atividades. Poucos meses depois que os irmãos Montgolfier iniciassem a voga dos balões de ar quente na França, já os alunos de Química faziam o mesmo em Coimbra, como nos relata a Gazeta de Lisboa em 1784. Entre esses alunos entusiastas do balonismo estavam dois brasileiros, o já mencionado Seabra Telles e o futuro inconfidente-químico José Álvares Maciel. Os alunos de Vandelli também abraçaram com igual fervor a construção de balões de hidrogênio, assim que a novidade foi noticiada. Aliás, seu entusiasmo era tamanho que chegaram a promover, em uma ocasião festiva, a iluminação durante horas do pátio central da universidade com 150 bicos com chamas de hidrogênio, sob os aplausos do Reitor, que não tinha a menor suspeita do risco que a universidade e todos corriam.
Domingos Vandelli manteve muitas relações de amizade com cientistas estrangeiros, a exemplo de seu amigo sueco e também naturalista Carlos Lineu (1707-1778), reconhecido mundialmente pela criação da nomenclatura binomial e da classificação científica utilizando os princípios ainda hoje usados, que faz com que Lineu seja considerado o pai da taxonomia moderna. Vandelli deixou obras como o “Diccionário dos Termos Technicos de Historia Natural”, e se tornou membro de diversas Academias e Sociedades Científicas da Europa, além de ser um dos fundadores da Academia Real das Ciências de Lisboa, criada em 1779 sob a égide do 2° Duque de Lafões (1719-1806), o grande responsável pela concretização do projeto.
Em adição ao trabalho acadêmico, Domingos Vandelli foi médico e conselheiro do Regente D. João até sua vinda para o Brasil. Após a expulsão dos franceses em 1810 ocorreu em Lisboa um movimento conhecido como “Setembrizada”, no qual se buscaram bodes expiatórios para a deplorável situação em que estava o país, com o governo e a corte ausentes no Brasil. Neste processo, tão comum em épocas de conturbação dessa natureza, várias pessoas ligadas à administração pública e ao comércio foram acusadas de simpatizar com os invasores franceses, muitas delas injustamente. Nesta leva se viram envolvidos Domingos e Alexandre Vandelli, pai e filho. Desterrados para os Açores, entre outros acusados, o filho consegue ser libertado e retornar a Portugal no ano seguinte, ao passo que o velho Domingos Vandelli é transferido para a Inglaterra, só conseguindo regressar em 1815, aos 80 anos de idade.
Dentre todos os discípulos, entretanto, o maior destaque histórico recai sobre José Bonifácio de Andrada e Silva, o primeiro brasileiro a granjear renome científico internacional em vida e futuro Patriarca da Independência do Brasil. Embora a carreira política posterior de José Bonifácio seja muito mais conhecida dos brasileiros que sua ilustre carreira científica, nunca é demais repetir sua importância entre seus contemporâneos. É por isso que José Bonifácio é o patrono da maior condecoração científica outorgada pelo Governo Brasileiro, a Ordem do Mérito Científico, que ostenta sua efígie.

O maior dos discípulos: José Bonifácio de Andrada e Silva

José Bonifácio de Andrada e Silva era natural de Santos, onde nasceu em 1763. Ele se formou na Universidade de Coimbra em Filosofia Natural em 1787 e em Leis no ano seguinte.
 Assim como seu mestre Domingos Vandelli, publicou trabalhos sobre os mais variados assuntos científicos, desde a época de sua entrada para a Academia das Ciências de Lisboa. Entre suas várias publicações, a mais importante, e que lhe granjeou renome internacional foi aquela que ele publicou em alemão, na revista Allgemeines Journal der Chemie, de Leipzig. Este artigo, oriundo de suas pesquisas realizadas na Escandinávia, versava sobre 12 novos minerais estudados e descritos de um ponto de vista mineralógico e químico pelo autor. Na verdade, sabemos hoje que quatro dos minerais eram absolutamente inéditos e os outros eram novas variedades de minerais conhecidos. Entre os quatro novos minerais havia dois, a petalita e o espodumênio, que hoje chamamos de aluminossilicatos de lítio. A partir daí vários pesquisadores, em diferentes países, começaram a realizar estudos sobre a petalita e o espodumênio, os quais resultaram na descoberta de um novo elemento alcalino. Como os dois outros elementos alcalinos já conhecidos, o sódio e o potássio, haviam sido isolados de vegetais, o químico inglês Humphry Davy cunhou para o novo elemento o nome lítio, do grego para pedra, lembrando sua origem mineral. José Bonifácio é assim o único brasileiro ligado à descoberta de um novo elemento químico. Após seu retorno a Portugal em 1800, José Bonifácio se tornou professor de Metalurgia em Coimbra, uma cátedra criada especialmente para ele. Mais tarde, veio a ministrar aulas no curso químico da Casa da Moeda de Lisboa, sendo o responsável pela organização do seu laboratório, que foi o primeiro estabelecimento em Portugal a fazer pesquisas de natureza fitoquímica, sobretudo com a finalidade de descobrir um sucedâneo para a quina do Peru em plantas oriundas do Brasil. A quina era uma fonte importante do único febrífugo conhecido, donde sua importância estratégica. José Bonifácio foi então o primeiro fitoquímico brasileiro, fato frequentemente esquecido. 
José Bonifácio também ocupou muitos cargos de natureza técnica e administrativa, de grande importância política. Um destes cargos foi o de Intendente-Geral das Minas e Metais do Reino, com o qual ele acumulava a administração das minas de carvão de Buarcos e das minas e fundição de ferro da Foz do Alge (Carvalho, 1954). Portugal buscava firmar-se perante outros países no caminho da industrialização e exploração metalúrgica, movimento considerado primordial para o desenvolvimento do país.
            Durante as invasões francesas, que motivaram a vinda da corte para o Brasil em 1807, Bonifácio permaneceu no país, mesmo sendo originário do Brasil, para onde tinha ido o governo e a nobreza, e foi o responsável pelo fabrico de munição e pólvora no Laboratório Químico da Universidade de Coimbra, para a luta contra o invasor.
            A partir de 1812, José Bonifácio foi eleito Secretário Perpétuo da Academia das Ciências de Lisboa, posto que conservou até sua aposentadoria, em 1819, quando também retornou a seu país natal, que havia deixado em 1783. A partir daí sua vida será marcada, principalmente, por seu crescente envolvimento político no processo de independência do Brasil e sucessos subsequentes.

A união das gerações de químicos: surge Alexandre Antonio Vandelli

            Estabelecido em Portugal e na Europa como um grande químico e mineralogista, José Bonifácio adentrava a segunda década do século XIX como uma personalidade que conseguiu unir as armas e o intelecto. No contato direto com seu mestre Domingos Vandelli, Bonifácio conhece Alexandre Antonio Vandelli, filho mais velho deste com Feliciana Isabella Bon. Alexandre nascera em Coimbra (e não em Lisboa, como normalmente mencionado em obras históricas tanto no Brasil quanto em Portugal) em 27 de junho de 1784, quando seu pai era professor da Universidade. Nesta cidade, casa-se em 1819 com Carlota Emília, filha mais velha de seu chefe (Fonseca, 1968). A data é marcante, pois demonstra bem a relação entre as duas famílias: somente após o casamento da filha com Alexandre é que Bonifácio vem para o Brasil.
Na função de assistente do sogro, Alexandre Vandelli também trabalhou na Intendência Geral de Minas e Metais do Reino até 1819, quando, com a vinda de José Bonifácio para o Brasil, passou a ocupar interinamente a direção do órgão até 1824. Alexandre assumiu então a função de Guarda-Mor dos Estabelecimentos da Academia das Ciências, permanecendo vinculado à entidade durante toda a sua vida.
Entre os anos de 1812 e 1814, Alexandre foi membro da Comissão de Reforma de Pesos e Medidas de Portugal, tendo participado das discussões iniciais no intuito de uniformizar o padrão de medidas. Em 1814, o Regente aprovou a proposta dessa comissão, baseada no sistema métrico francês.
Além de vários trabalhos científicos publicados nas “Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa”, e de diversos manuscritos inéditos, Alexandre Vandelli publicou cinco livros em Portugal, versando sobre os mais variados assuntos de História Natural e de técnicas manufatureiras e agrícolas. (Marques, 2008):
O tema da destilação de aguardente, assunto central de seu livro Resumo da Arte de Distillação, era considerado importante para a economia portuguesa da época. Alexandre menciona o brasileiro João Manso Pereira (Pereira, 1797, apud Filgueiras, 1993), autor de livros nessa área, chamando-o de “incansável”. No livro, Alexandre Vandelli mostra sua preocupação com a economia e com as aplicações da ciência. Para isso ele cita um trecho dos Estatutos da Academia, que pregavam:

Os Membros (da Comissão de Indústria) promoverão à competência o aumento da Agricultura, das Artes, e da Indústria popular... já averiguando, e recolhendo os descobrimentos novos, e práticas úteis dos estrangeiros, que nos forem próprias, propondo-as, e facilitando-as aos nossos nacionais, &c.. (Vandelli, 1813, p. 12).

A Academia das Ciências publicou em 1814, em suas "Memórias", um artigo de 1811 intitulado “Experiências Químicas, sobre a Quina do Rio de Janeiro Comparada com Outras” de autoria de José Bonifácio, Sebastião Francisco de Mendo Trigoso, João Croft e Bernardino Antonio Gomes. Logo na primeira página os autores frisam que Alexandre Vandelli participara no preparo dos reagentes químicos utilizados para verificar se a quina do Rio de Janeiro era de boa qualidade, já que as quinas eram um produto natural de grande interesse estratégico e econômico, como já se disse. A quina era importante no tratamento contra febre intermitente, malária, feridas e inflamações. Ela era o principal febrífugo da época e de uso difundido nas armas da Corte, pois não havia muitos tratamentos específicos para ferimentos de guerra. Assim, era essencial saber se a qualidade da matéria prima, as cascas que eram usadas em Portugal e no Brasil, eram de boa qualidade.
Na cidade de Santos reinicia sua vida como negociante. Naturaliza-se brasileiro em 1838, no Rio de Janeiro, no mesmo ano da morte de seu sogro, José Bonifácio. A distância da Corte dificultava seu sucesso profissional e financeiro, por isso decidiu radicar-se definitivamente na capital (Marques, 2008). Nesta cidade Alexandre Vandelli foi professor de Botânica e Princípios de Ciências Naturais do jovem D. Pedro II e da família Imperial entre 1839 e 1862. É possível que tenha, ao final de sua vida, ministrado aulas para as filhas de D. Pedro II, assim como para outros membros da elite intelectual da Corte. Alexandre Vandelli veio a tornar-se Comendador da Ordem da Rosa em 1841 por decreto de D. Pedro II.
Vandelli foi também um dos fundadores da Sociedade Vellosiana de Ciências Naturais do Rio de Janeiro, criada em 1850 com a finalidade, segundo seus Estatutos, de “indagar, collegir, e estudar todos os objectos pertencentes à História Natural do Brasil; e juntamente averiguar, e interpretar as palavras indigenas, com que forem designados” (Paiva, 2005, p. 20). Alexandre chegou a exercer a Presidência ad hoc, assinando o Diploma do presidente da instituição, o botânico Francisco Freire Allemão de Cysneiros (1797-1874). O nome sugerido por Freire Allemão foi uma homenagem ao Frei José Mariano da Conceição Vellozo, nascido na Província de Minas Gerais em 1742, falecendo em 1811 no Rio de Janeiro. Frei Vellozo foi o autor da importante obra naturalista brasileira "Flora Fluminensis", com o resultado de suas investigações científicas realizadas na Província do Rio de Janeiro durante oito anos.
No início do funcionamento da Sociedade os sócios efetivos foram distribuídos em quatro Seções: Etnografia, Zoologia, Botânica e Geologia e Ciências Físicas. Alexandre Vandelli participava na seção de mineralogia, composta também por Frederico Leopoldo Cezar Burlamaque, Cândido Teixeira de Azeredo Coutinho e Custódio Alves Serrão (Paiva, 2005).
            Em 1853 Alexandre Vandelli foi um dos protagonistas de uma interessante querela científica com seus consócios Freire Allemão e Leopoldo Burlamaque. Vandelli doou ao Imperador D. Pedro II um trabalho intitulado “Reflexão sobre a Questão dos Nevoeiros Secos”, num total de 41 páginas manuscritas. O texto foi precedido de uma carta ao Imperador, na qual atacava seus adversários na polêmica, os quais, a seu ver, apenas “divagavam” sobre assuntos científicos.
            A questão dizia respeito a um fenômeno atmosférico: o aparecimento de nevoeiros secos no Rio de Janeiro nos meses de inverno. Tanto Freire Alemão quanto Francisco Burlamaque verificavam que o fenômeno consistia num nevoeiro denso, uma espécie de esfumaçamento não apenas da atmosfera da cidade do Rio de Janeiro, mas de quase toda a costa do Brasil nos meses de julho a outubro. Para Freire Allemão, em dois trabalhos expostos por ele na Sociedade Vellosiana, a névoa que cobria a cidade do Rio de Janeiro entre julho e outubro era apenas oriunda das queimadas, muito comuns na época.
Em contraposição, Vandelli propôs em seu trabalho que as névoas “tem relações intimas com outros phenomenos, que estão nas mesmas circunstancias, como as estrellas errantes, auroras boreaes &c.” (Vandelli, 1853, p. 7). Era uma explicação completamente diferente, apesar de ainda em voga na época, que supunha uma constante influência cósmica na atmosfera terrestre. As névoas teriam para Alexandre origem astronômica, assim como acontecia com os meteoritos, os cometas e mesmo as auroras boreais, constituídos por material de origem sideral.
Não houve, após o longo texto de Vandelli, continuação da disputa, já que após o ano em questão (1853) as reuniões da Sociedade Vellosiana praticamente desapareceram, com algumas tentativas esparsas de reativá-la, feitas por Freire Allemão, até o ano de sua morte em 1866.
Alguns anos mais tarde Alexandre Antonio Vandelli faleceu na cidade do Rio de Janeiro, a 13 de agosto de 1862, viúvo, aos 78 anos, de gastro-entero-colite. Era o fim de três gerações de naturalistas que marcaram de maneira bastante assimétrica a ciência luso-brasileira nascente.

Conclusão

            Portugal e Brasil foram nações consideradas sempre à margem do processo científico ocorrido entre os séculos XVIII e XIX. Este trabalho evidencia, através das três personagens apresentadas, que sobrevivia uma concepção ilustrada e fisiocrata de nação e cidadania desde a reforma pombalina, e que tal concepção migrou para o Brasil nos oitocentos.
Luminares da ciência portuguesa, como Domingos Vandelli, participaram da reestruturação universitária em Coimbra, o que permitiu a esta Universidade ser um pólo atrativo ainda maior de estudantes brasileiros. Entre eles estava José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido em Portugal pelos seus vários feitos científicos e no Brasil, sobretudo por sua participação política a partir de 1822. Com Bonifácio, e posteriormente com seu discípulo e genro Alexandre Antonio Vandelli (naturalista que uniu as duas famílias com seu casamento), a trajetória do saber mudou de sentido. Se antes brasileiros iam para a Europa apreender as Luzes, no século XIX passaram a retornar para o Brasil trazendo as novas ideias, disseminando-as. Este movimento tornou-se um dos vetores das profundas transformações que a nação brasileira sofreu no século XIX, exemplificado por Alexandre Vandelli, cientista vindo de terras portuguesas e que terminou sua história na Corte de um novo país que buscava construir sua própria identidade.


Referências

CARVALHO, J.S. A Ferraria da Foz de Alge. Período de José Bonifácio de Andrada e Silva (1802-1819). Lisboa: Secretaria de Minas, v. VIII, Fasc. 3-4, 1954. (Carvalho, 1954).

FERRAZ, M.H.M. Domingos Vandelli e os estudos químicos em Portugal no final do século XVIII. Química Nova, v. 18, p. 500-504, 1995. – (Ferraz, 1995).

MARQUES, A. J. Alexandre Antonio Vandelli e as ciências naturais. Anais do Congresso Scientiarum Historia / UFRJ/HCTE, p. 324-337, 2008. – (Marques, 2008).

PAIVA, M. P. Associativismo Científico no Brasil Imperial: A Sociedade Vellosiana do Rio de Janeiro. Brasília: Thesaurus, 2005. – (Paiva, 2005).

PEREIRA, J. M. Memoria Sobre a Reforma dos Alambiques ou de Hum Proprio para a Distillação das Aguas Ardentes. Lisboa: Oficina de J. P. Correa da Silva, 1797. In: FILGUEIRAS, C. A. L. João Manso Pereira, Químico Empírico do Brasil Colonial. Química Nova, v. 16, p. 155-160, 1993. – (Filgueiras, 1993).

VANDELLI, A. A. Resumo da Arte da Distillação. Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1813. – (Vandelli, 1813).

VANDELLI, A. A. Reflexão sobre a questão dos nevoeiros secos da atmosphera do Rio de Janeiro, apresentada na Sociedade Vellosiana, pelo Snr. Dr. Francisco Freire Alemão. Arquivo do Museu Imperial de Petrópolis, 1853. Cota: Maço 119 - Doc 5893 [P01]. – (Vandelli, 1853).


VARELA, A.G., LOPES, M. M., FONSECA, M. R. F. As atividades do naturalista José Bonifácio de Andrada e Silva em sua 'fase portuguesa' (1780-1819). História, Ciência, Saúde - Manguinhos, v. 11, p. 685-711, 2004. – (Varela e cols., 2004).


Publicado na Revista Química Nova na Escola, Vol. 31, N° 4, 2009.

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