Cavaleiro

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Os créditos da ilustração são de André Marques - www.andre.art.br

Teologia Fontal: o que é?

Por: Adílio Jorge Marques

Introdução

Quando buscamos falar de Teologia podemos remeter-nos a várias referências que algumas das vezes proporcionam definições bem determinadas, e em outros casos, especificações bem vagas. É possível dizer que Teologia é composta de duas palavras gregas: Theos e Logos, remetendo etimologicamente a “um tratado sobre Deus”. Assim, antes de ter sido usada pelos autores cristãos, tal palavra foi também usada pelos antigos gregos, segundo Frosini.

Tratar da “Teologia Fontal” deve levar a uma reflexão histórica da tradição cristã dos autores envolvidos, no intuito de que haja uma contextualização entre o momento presente de análise e a época na qual o Novo Testamento estabeleceu-se. Libanio nos diz que a análise das propostas Teológicas perpassa pelo sentido de que as mesmas sofreram a verificação de grandes matrizes ou paradigmas, no sentido de melhor se organizar. Por exemplo:

- A força do sagrado nas palavras dos homens que a redigiram, mostrando como realidades terrestres possa ser manifestação de forças divinas. O sagrado que une os homens, a palavra deixada para a posteridade.

- A gnose sapiencial, onde se pode dizer que ocorre a busca do conhecimento harmonioso em que se inter-relacionam as dimensões religiosa, ética, histórica, ontológica, antropológica, cósmica, em processo gradativo, até a plenitude da sabedoria que se quer atingir.

- A matriz da linguagem, onde vemos uma forma narrativa que é acrescida por outra argumentativa e analítica (Bruno Forte).

- A matriz histórica que é utilizada para entendermos o passado em busca de melhor compreensão do presente, visando também o futuro. A Escritura é o lugar do advento, onde a Palavra de Deus habita com as palavras dos homens, segundo B. Forte. Os Apóstolos tiveram que levar ao mundo a missão que aceitaram de coração: a Boa Nova universal.

A Teologia originante das primeiras comunidades cristãs

A primeira geração cristã (séc. I D.E.C.) realizou verdadeira Teologia. Tratou de refletir a sua fé, interpretando o sentido e evento fundante da vida-morte-ressurreição de Jesus, bem como a constituição e implementação da Igreja. Surgiu a importância da Igreja particular, como vemos nos Atos o termo ekklesía, que parece ser usado no sentido particular ou local. Convém também recordar que a maioria dos livros do Novo Testamento são dirigidos às igrejas locais (como nas cartas de S. Paulo). Mas a igreja particular realiza toda a riqueza da igreja universal. Abre-se em comunhão com as outras igrejas que surgiram, buscando a unidade. Essa abertura é para Frosini um dos elementos constitutivos da Igreja particular, mas que também abrangem o anúncio da Palavra, a aceitação da mesma por meio da fé e do Batismo, a fração do pão, a presença de Cristo através dos Apóstolos, o amor fraterno e verdadeiro (Agapé) e os carismas.
Vemos nos Atos que a localização das igrejas torna-se particular, ou seja, devem-se levar em conta seus traços culturais, ambientais, históricos, e por isso essas primeiras comunidades não são iguais. Apresentam caráter urbano na época apostólica e com ampla autonomia.

Os escritos do Novo Testamento testemunham o esforço intelectivo para responder às principais perguntas que as comunidades faziam (Libanio): “Quem é Jesus para nós?” e “Quem somos nós a partir de Jesus?”.

Bruno Forte acrescenta:

“Existe na Escritura, com a ação e a palavra de Deus, também um componente humano, nutrido de pensamento e palavra, que a assinale e lhe determine as formas sob o peso da história? E, se existe, qual é o seu desenvolvimento sob o impacto da revelação de Deus? Quais os caracteres que especificam o pensamento fontal do encontro entre o êxodo e o advento?”

Tais questões ainda atuais norteiam a questão de que houve uma Teologia Fontal, própria do Novo Testamento; fontal da história da fé e da reflexão cristã.


A fonte de toda Teologia

Existe o questionamento de como é possível a Sagrada Escritura ser a fonte, manancial teológica dela mesma? Segundo Libanio, o erro consiste em analisar a fonte com os olhos de hoje, o que, aliás, é um erro comum em análises históricas, no caso aqui na interrogação da fé primitiva. Se para Libanio o Novo Testamento é Teologia Fontal, paradigmática e estimuladora de tudo mais que se seguiu teologicamente, para B. Forte, citando K. Rahner, a “Teologia do princípio e o princípio da Teologia” se encontram para o entendimento do que hoje se estuda em termos cristãos.

O processo formativo resume um esforço de passar da Teologia da Palavra às palavras que fielmente a veiculem, “para que destas palavras se possa passar sempre de novo, sob a ação do Espírito, à experiência vivificante do encontro com a Palavra do advento Divino” (B. Forte).
Em 1 Jo 1, 1-4 temos uma forte caracterização do exposto acima:

“O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, e nossas mãos apalparam da Palavra da vida, porque a Vida manifestou-se: nós a vimos e lhe damos testemunho e vos anunciamos esta Vida eterna, que estava voltada para o Pai e que nos apareceu, o que vimos e ouvimos vo-lo anunciamos para que estejais em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo. E isto vos escrevemos para que nossa alegria seja completa.”

O autor e protagonista da reflexão da fé acima se dirige a uma comunidade ou grupo de comunidades. Fica claro que os Escritos são também para quem está fora de uma comunidade. O testemunho sugere que basta o querer, a disposição de fé, para que cada um seja participante daquele magno evento da odisséia humana. Logo, são palavras que fundamentam a fé universal, que a alimentam, a mantém viva na dualidade corpo-essência de todos os ouvintes e/ou leitores.

Ainda segundo Libanio, diferentes estilos surgem com essa reflexão, para que lentamente a comunidade de fé liberte-se de qualquer tipo de “amarra” intelectiva, porém mantendo e respeitando as origens particulares de cada indivíduo. Nota-se uma Teologia narrativa dos Evangelhos e Atos, uma literatura epistolar e também apocalíptica. Como em Rm 10,14, é uma Teologia consciente e reflexiva da fé que nasce da escuta, pois é serva da palavra, depende dela. O Deus de todas as nações suscita que se abram pela fé ao Seu advento, em resposta às suas necessidades.

O Evangelho deixa de ser pensado apenas como letra, mas como espírito. A inspiração requer que seja compreendida de modo respeitoso, seja do vir de Deus ao homem, seja do abrir-se da história humana à ação divina.

Também baseado em Bruno Forte podemos distinguir dois níveis fundamentais da Teologia Fontal:

1 – A experiência: os primeiros foram testemunhas vivas, viveram a experiência da Palavra. É um caráter transformante. O Advento marcou-os para sempre. A Palavra surge de fora, característica do Advento. Caso contrário, seriam palavras humanas, um êxodo. “Então seus olhos se abriram e o reconheceram” (Lc 24,31).

2 – Ocorre uma necessidade de ANUNCIAR a experiência, para que outros também a conheçam. Essa é a Missão. Ela não é individualista, mas é urgente de amor. Em 1 Cor 9, 16 surge: “Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho!”. Nessa formulação da experiência fontal acaba por ocorrer o processo de formação dos textos do Novo Testamento. A narração predomina na exigência do primeiro anúncio como formas querigmáticas e de catequese de estilo antigo, porém compreensível analisando-se à luz do contexto histórico e cultural da época. Por isso a palavra grega kérygma ou querigma, que significa “proclamação”. O kerix grego é o mensageiro, o que traz a boa notícia. Por isso se dá o nome de kerigma ao anúncio do evangelho (cf. Mt 12,41; Lc 11,32 ; Rm 16,25; 1Cor 1,21; 2,4; 15,14; 2Tm 4). É a mensagem, a pregação, a proclamação. Depois passou a designar a pregação da Cristandade primitiva a respeito de Jesus. Por exemplo, na expressão “Jesus é o Senhor”, ou em “Jesus é o Cristo”, não estão apenas associando um título a Jesus, mas querem associar a história do humilde que foi exaltado por Deus e aí sim feito Senhor, o Cristo. Aqui, história e anúncio se misturam. Uma memória se desenvolve, consciente do evento pascal, de suma importância humana, porém também universal. A Teologia dos diversos autores inspirados são todas alimentadas pela única revelação Divina.

Resume-se assim todo o esforço de se passar da experiência da Palavra às palavras que mais fielmente a veiculem, levando a tradição ao mundo.


Características da Teologia Fontal

Uma forma sintética de colocar o que foi acima exposto nos é dada por Libanio em seis tópicos principais (em * citação semelhante de B. Forte):

- Pneumática: embebida pelo Espírito Santo que suscita a continuidade dos seguidores de Jesus. O Pentecostes seria o princípio, onde o mistério escondido desde séculos é o objeto.*

- Eclesial: nascida no seio vivo de uma comunidade a caminho e referida a ela.*

- Missionária: destinada a transmitir e recriar a fé cristã.

- Vivencial: repleta de sentimentos, conotações afetivas e força convocatória, proveniente da experiência de seguimento do Ressuscitado.

- Contextualizada: na história da comunidade em que foi elaborada. Não retrata desejo explícito e fazer reflexão única e universal, válida igualmente para todos. Como “reflexão da Palavra”, torna presente o dado revelado em diversas situações. Respeita-se as diferentes comunidades. Cria unidade como solidariedade entre os diferentes. O evento do encontro fontal fecunda lugares, tempos e pessoas, mostrando o Ressuscitado que subverte o antigo.*

- Aberta ao futuro: estimula interpretações enriquecedoras, novas releituras da Palavra. O quadro de referência do cristão, ao fazer a leitura do Antigo Testamento, já não é só o livro antigo em si, mas a vida nova em Cristo, iluminando o antigo livro. Como dito acima, a comunidade de FÉ oferece a garantia de exatidão da interpretação. O novo e o antigo convivendo na memória do povo para a garantia da presença de Deus entre os homens. A Teologia do Novo Testamento pode ser então profecia, que abre novos caminhos.*


Conclusão

A Teologia Fontal, das origens, nos legou a base de todas as Teologias que reinaram e ainda nos chegam, após o Concílio Vaticano II. O evento da salvação, a mostra de que Deus desceu até nós, mas que podemos retornar a Ele por Aquele que é Luz, Vida e Amor, estão sempre presentes. A Palavra se fez eterna em palavras. Reverberam as antigas tradições dos grandes Mestres.

Se, como diz B. Forte, existe uma suposta “pobreza” da forma teológica do Novo Testamento, ela se torna a sua maior riqueza. A Boa Nova nos remete para além de si, de nós mesmos, para Deus através de um grande sinal, como resposta a uma necessidade intrínseca humana: voltar ao seio do Pai, recuperar a Criação.



Referências

1 – Frosini, G. A Teologia Hoje – Uma síntese completa e actualizada; EPS; Porto; 2001.
2 – Libanio, J. B. Murad, A.; Introdução à Teologia; Edições Loyola; São Pulo; 1996.
3 – Forte, B. A teologia como companhia, memória e profecia; São Paulo; Paulinas; 1991.
4 – Wicks, J. Introdução ao Método Teológico; Edições Loyola; São Paulo; 1999.



Adílio Jorge Marques é professor de Física e História da Ciência da rede pública e particular de ensino do Rio de Janeiro. Pesquisador em História da Ciência luso-brasileira e história das Tradições.

3 comentários:

  1. Caro Adílio,

    Parabéns por esse denso artigo, muito bom, aproveito para acrescentar que Hegel e a escola de Tubingen foram os precurssores dessa teologia da história, passando por Von Urs Balthasar e Von Rad. Vc falou bem sobre a harmonia entre kerigma (proclamação do evangelho) e gnosis (conhecimento),não só das influências sincréticas das religiosidades da época, quanto das matizes filosóficas, como por exemplo, o neoplatonismo.

    Parabéns!!!admiro muito seus artigos!!!

    Abração!!!

    Kadu Santoro
    www.jornaldespertar.blogspot.com

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  2. Prezado amigo Kadu,

    Agradeço as suas palavras! Espero que continue visitando os meus textos, e também sou fã (você sabe!) do seu "Jornal Despertar".

    Forte abraço.

    Adílio.

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  3. gostei 10 tenho 10 anos e não gosto de historia

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