POR: ADILIO JORGE MARQUES
"Daqui em diante não existe uma harmonia feita somente para o benefício de nosso planeta, mas a canção que o Cosmo canta a seu senhor e centro, o Logos Solar".
(Johannes Kepler)
“Nossa exploração não deve nunca cessar, e o fim de toda nossa exploração será voltar ao lugar
de onde partimos e conhece-lo pela primeira vez”.
(T. S. Eliot)
1. INTRODUÇÃO
A Gênese ou a Criação refere-se ao ato (ou atos) em que o mundo e o Universo tomam forma e começam a existir. Desde tempos remotos, todos os grupos sociais humanos têm concebido uma ou mais “teorias” para a Criação. Estas narrativas, orais ou escritas, constituem o maior tema mitológico criado pelo homem na tentativa de esclarecer questões tão remotas quanto o raciocínio humano: “De onde viemos?”, “Para onde vamos?”, “Como tudo começou?”, “Deus existe ou tudo é obra do acaso?”, “Por que existe alguma coisa ao invés de nada?”, “O que é o real?’, entre tantas outras.
A Criação, conforme o cristianismo e todas as culturas antigas, descreve o começo do mundo e sua ordem (cosmos, no sentido literal), e serve como arquétipo para todos os mitos seguintes dentro daquela cultura. No sentido filosófico, o mito da Criação expressa os fundamentos ontológicos de uma cultura (ou sua Metafísica). Por outro lado, o desenvolvimento das idéias científicas concernentes à origem do cosmos é a Cosmologia. Desde o pré-socrático TALES DE MILETO tenta-se explicar o início de tudo. Tales marcou a transição, no Ocidente, do pensamento místico para um considerado mais científico, em termos modernos, ao dizer que o começo de tudo foi com a água. Porém, uma água não apenas mística, etérea, mas uma entidade ou substância de todo o começo, sendo também o Logos - o princípio ou lei de todas as coisas. Isso é importante, pois nos fornece um sentido cosmológico mais amplo, dando também à natureza a condição de ser a causa e, também, a manifestação. Ele tem o mérito maior de ser o primeiro filósofo ou pensador da Antiguidade Ocidental a tentar propor uma explicação para a Criação a partir de leis iniciais.
De ARISTÓTELES, passando por Johannes KEPLER e Isaac NEWTON, até hoje, questões concernentes ao começo do Universo têm atraído a atenção de cientistas, principalmente astrônomos. A ênfase nas teorias algumas vezes causa conflitos entre cientistas e religiosos.
Atualmente, a TEORIA DO BIG BANG sobre a origem do Universo é o modelo cosmológico mais aceito. Esta teoria nos diz que o Universo teria começado com a explosão de um ponto, ou singularidade, de matéria extremamente condensada, passando por um período de crescimento acelerado (TEORIA INFLACIONÁRIA) e continuando sua expansão até os dias de hoje. E questões surgem, onde os cientistas e filósofos modernos tentam descobrir fatos novos que ajudem a entender o cosmos: o Universo poderá se expandir para sempre, devagar ou cada vez mais rápido? Ou expandir até se contrair novamente, a partir de um único Big Bang? Ou mesmo oscilar entre expansão e contração com vários inícios subseqüentes?
2. COSMOLOGIA
COSMOLOGIA é o estudo, em larga escala, da estrutura e da evolução do Universo. O estudo da origem das estruturas visíveis do Universo, desde os imensos aglomerados de galáxias até o sistema solar, se situa nos domínios da COSMOGONIA, apesar de que muitos cientistas hoje em dia tendem a aceitar tudo como Cosmologia. Apenas no século XX as questões fundamentais da Criação puderam ter respostas mais precisas. Com as últimas descobertas observacionais, as questões básicas da cosmologia estão sendo exploradas dentro dos parâmetros da mais aceita das Teorias: a do Big Bang (ou Grande Explosão).
Em 1543, Copérnico levantou a hipótese de que a Terra poderia não ser o centro do Universo. Uma conseqüência lógica da teoria de Copérnico é destituir a nossa galáxia de qualquer localização preferencial no espaço. Dessa forma, somos levados ao componente-chave da cosmologia moderna, o princípio cosmológico de Copérnico, que estabelece que o nosso ponto de localização no Universo não difere em nada de qualquer outro ponto do espaço. Ele seria localmente isotrópico - parece o mesmo em diferentes direções, visto a partir da Terra.
Podemos citar, além de Copérnico, como PIONEIROS DA COSMOLOGIA MODERNA, os seguintes nomes, por terem dado contribuições científicas relevantes que acabaram por culminar na teoria do Big Bang:
TABELA 1
Nicolau Copérnico 1473-1543 Cosmologia heliocêntrica
Tycho Brahe 1546-1601 Observações astronômicas precisas
Johannes Kepler 1571-1630 Leis dos movimentos planetários
Galileu Galilei 1564-1642 Descoberta dos satélites de Júpiter, das manchas solares e das
fases de Vênus
Isaac Newton 1643-1726 Lei da gravitação universal – Livro PRINCIPIA
William Herschel 1738-1822 Observação das nebulosas, descoberta de Urano
A teoria de EINSTEIN de um Universo estático só perdurou até que em 1922 ALEXANDER FRIEDMANN, matemático e meteorologista russo, e GEORGES LEMAÎTRE, clérigo belga, em 1927, trabalhando de forma independente, descobrissem um conjunto de soluções mais simples para as equações da gravitação de Einstein e que descrevem um Universo em expansão. Pode-se considerar que ambos foram os criadores da cosmologia moderna e do Big Bang.
3. O BIG BANG
A teoria do Big Bang, ou da Grande Explosão, descortina um imenso panorama da evolução cósmica. Há cerca de 14,5 bilhões de anos iniciou-se a expansão cósmica. As condições existentes neste instante inicial e antes dele são matéria para especulações que a teoria convencional não contempla.
Por esta teoria, o Universo primitivo era muito quente, muito denso, e talvez também muito irregular. A irregularidade e a anisotropia decresceram gradualmente. Alguns minutos após o Big Bang, ocorreram algumas reações nucleares; basicamente, todo o hélio existente no Universo foi sintetizado nessa ocasião.
À medida que o Universo se expandia, ele esfriava, parecido com o ar quente se expande e se esfria. A radiação cósmica de fundo observada atualmente nos radiotelescópios é um vestígio residual dessa era primitiva; ela tem sido apropriadamente chamada de radiação remanescente da BOLA DE FOGO PRIMORDIAL (aproximadamente um minuto após a explosão). À proporção que a matéria do Universo esfriava, ela ia se transformando em galáxias, segundo uma determinada interpretação da evolução do Universo. As galáxias se fragmentaram em estrelas e se mantiveram agrupadas, para formar imensos agregados em vastas regiões do espaço. Com o nascimento e a morte das primeiras gerações de estrelas, os elementos pesados, tais como o carbono, oxigênio, silício e o ferro, foram sendo gradualmente sintetizados. Ao se transformarem em gigantes vermelhas, as estrelas liberavam matéria que se condensava em grãos de poeira.
Novas estrelas se formavam a partir das nuvens de gás e poeira. Em pelo menos uma dessas nebulosas a poeira fria se aglomerou em torno da estrela, formando um fino disco. Os grãos de poeira aglutinaram-se uns aos outros, dando origem a corpos maiores que aumentaram de tamanho em razão de sua atração gravitacional, formando uma grande variedade de corpos, desde os minúsculos asteróides até os planetas gigantes, que constituem o nosso sistema solar.
A teoria do Big Bang nos conduz através da evolução de todo o Universo, desde os primeiros microssegundos de tempo até a formação da Terra e o desenvolvimento da vida, alongando-se até um futuro que talvez seja infinito.
3.1 MODELOS
Os modelos alternativos viáveis do Big Bang são: os modelos aberto e fechado de Friedmann-Lemaître; o modelo marginalmente aberto de Einstein-de Sitter; e o Universo de Lemaître.
Se o Universo estiver sempre se expandindo na velocidade atual, ele terá agora cerca de 14,5 bilhões de anos de existência. Considerando-se a hipótese de que a expansão estará em algum tempo decrescendo, como mostram os modelos aberto e fechado, o Universo teria então menos de 14,5 bilhões de anos.
O modelo aberto de Friedmann-Lemaître tem aproximadamente 20 bilhões de anos. O modelo fechado tem a idade mais baixa, uma vez que a desaceleração deve ter o valor máximo neste modelo para fazer reverter à expansão. Depende da taxa considerada de desaceleração.
O Universo de Lemaître tem muito mais de 14,5 bilhões de anos, porque há um longo período de calmaria, durante o qual a expansão quase estaciona.
Tanto o modelo aberto de Fredmann-Lemaître como o Universo de Lemaître, continuam a se expandir eternamente.
3.2. EVIDÊNCIAS DO BIG BANG
Refere-se à idade do Universo, ou o lapso de tempo transcorrido desde o Big Bang até hoje. Estima-se em 13,75 bilhões de anos através das seguintes proposições: velocidade de afastamento das galáxias; pela geologia (em relação à idade da Terra, por exemplo); pela medição radioativa; através dos modelos de evolução estelar. O mapeamento das fontes de rádio do Universo também é importante neste cálculo.
Provavelmente a evidência mais persuasiva aceita em favor do Big Bang seja a existência de um fundo cósmico de radiação de microondas, o resíduo arrefecido da bola de fogo primordial, e que constituía o Universo primitivo. Microonda é o termo usado pelos radioastrônomos para designar as ondas de rádio de pequeno comprimento de onda (inferior a alguns centímetros), no qual o Universo é bem rico. Seu valor é em geral de 10-5 Watts de potência, ou seja: 0,00001 Watts, equivalente a uma temperatura de 2,7 graus Kelvin. Essa energia de fundo é considerada um resquício da explosão inicial.
Outra evidência interessante se refere ao argumento de que certos elementos e isótopos (elementos químicos de mesmo número de prótons) podem ter sido sintetizados no Big Bang, devido às altas temperaturas e densidades do momento. Também existe o fato de que não há outras fontes plausíveis de explicação para pelo menos um elemento leve, o hélio, e um isótopo do hidrogênio, o deutério, existentes no Universo.
4. UMA BREVE FÍSICA DA CRIAÇÃO
Aceita-se que o Universo primordial era quase que uniformemente preenchido com radiação e neutrinos, no qual se intercalavam, em número relativamente pequeno, elétrons, prótons e nêutrons, partículas constituintes dos átomos. No decurso da expansão, a radiação esfriou, até transformar-se na radiação de fundo residual e que tem sido medida hoje pelos radioastrônomos. A atual temperatura de radiação é de 2,7 K (Kelvin), ou –270,45 ºC, e que equivale à energia de menos de um milésimo de elétron-volt por átomo (0,001e-V/átomo). Esta é uma unidade de medida para energia.
Ao fazermos a extrapolação para os tempos mais primitivos, voltando no tempo, considera-se que a temperatura do Universo aumenta na proporção da potência ¼ da densidade de energia. Durante os primeiros momentos do Universo, havia aproximadamente o mesmo número de elétrons, pósitrons (antipartícula do elétron) e fótons (constituintes da luz) compondo a massa inicial. Após alguns segundos, a temperatura caiu até o ponto em que os fótons não tinham mais energia suficiente para criar nenhum novo par partícula-antipartícula. Nesse ponto, pares de elétron-pósitron eram aniquilados e não podiam ser recriados. Tínhamos um Universo quase que constituído só de fótons. Não houve um aniquilamento total porque havia mais partículas do que antipartículas, para nossa sorte, pois normalmente estas se aniquilam mutuamente.
Vamos tentar considerar agora o que aconteceu antes do primeiro segundo. A temperatura era tão alta que as partículas mais pesadas não podiam ser criadas. Essas incluíam prótons e antiprótons, e talvez uma variedade muito mais exótica de partículas nucleares. Podiam se aniquilar e serem criadas pelo intenso campo de radiação. Existiam partículas em quantidades comparáveis à dos fótons.
À medida que fazemos a nossa investigação recuar, em direção à singularidade inicial (como chamamos o ponto inicial do Big Bang), somos levados a fazer outra especulação. Não poderia o próprio campo gravitacional intenso ter dado origem à criação da matéria e da radiação, a partir do vácuo? O universo teria então sido vazio nos seus instantes iniciais, como algumas tradições antigas nos dizem.
As investigações sobre essa possibilidade levaram à conclusão de que, se o Universo permanece isotrópico, é porque relativamente pouca criação ainda ocorre. Entretanto, a criação de partículas e de fótons poderia ocorrer se a expansão inicial fosse caótica, ou anisotrópica - isto é, se o Universo se expandisse em velocidades muito diferentes, em direções diferentes, a partir de qualquer ponto dado. Podemos imaginar que as imensas forças de maré resultantes do Big Bang romperam o contínuo do espaço-tempo, no processo de Criação. Poder-se-ia considerar o vácuo como contendo pares virtuais de partículas e antipartículas. Um campo gravitacional suficientemente intenso poderia romper esses pares virtuais, fazendo as partículas ingressarem no “mundo real”.
Um quadro se mostra para o começo do Universo: o processo de Criação foi altamente estabilizador. A anisotropia inicial foi dissipada rapidamente, dando como resultado um Universo isotrópico, mais homogêneo, repleto de radiação. Os pares de partículas também eram aniquilados, e o fluxo de radiação resultante se dissipava dessa forma fazendo com que a anisotropia se atenuasse. Logo, podemos especular que esses processos “exóticos” precederam o tempo abrangido pelo modelo convencional do Big Bang.
Neste ponto, poucos minutos após o Big Bang, as “explosões nucleares” mais fortes cessaram. A expansão do Universo continuou sem maiores novidades pelo terço de milhão de anos que se seguiu. É a Era de Radiação, que marca o aparecimento da bola de fogo primordial. Poderíamos identifica-lo como um denso e quente caldo de matéria primordial e de radiação, que teria evoluído segundo os padrões já descritos acima, não “observável”, pois o Universo só se tornou "visível" 300 mil anos após a Criação.
4.1. O INSTANTE INICIAL
O instante inicial, o tempo zero, é chamado de era de singularidade. A menos de 10-43 segundos (o tempo de Planck) a ciência nada pode explicar com certeza. O que teria dado partida à Criação do Universo? Porque o Universo é do jeito que é? Sabemos que qualquer modificação inicial, ou nas constantes universais da Física, teria ocasionado um Universo totalmente diferente do que é hoje, provavelmente não capaz de suportar qualquer espécie de vida.
Qual é a probabilidade estatística de que o Universo, a partir de uma explosão original, viesse a ser como é hoje? Sabemos matematicamente que tal probabilidade é extremamente pequena, ínfima. Os cálculos estatísticos são somente um resultado aproximado, talvez uma amostragem apenas, disso sabemos. Porém, a utilizamos sempre que necessitamos precisar algo que não é possível ser totalmente explicado pela matemática usual do problema ou quando queremos saber a margem de erro dos mesmos.
Logo, nada podemos dizer com exatidão desse momento da Criação. “Tudo o que conhecemos encontra sua origem num oceano infinito de energia que tem a aparência do nada”, disse o Físico John Wheeler (Guitton, J.; Deus e a Ciência; 1991; Ed. Nova Fronteira).
Afirmar que este instante inicial e tudo o mais que veio após tem como ponto de partida uma Consciência Superior, que estaria por detrás de tudo, é para muitos uma hipótese mística. Porém, para muitos cientistas é chamada de Hipótese Deus, que assume a probabilidade de uma Inteligência organizadora estar por trás da singularidade. Não seria uma Inteligência como comumente é tratada, de um ser antropomórfico, mas uma espécie de ENERGIA primordial, que a tudo permeia, como em um oceano infinito de energia com pequenas flutuações, e que tem na organização universal, na ordem – Cosmos - um atributo inerente a si próprio.
4.2. EVENTOS DA CRIAÇÃO
Podemos separa-los, de forma simples, em:
Primeiro - O Big Bang, até o tempo de Planck.
Segundo – As Eras: criação das partículas, Eras Hadrônica e Leptônica (até 1 segundo após a explosão), passando pelas Eras da Radiação, da Matéria, e do Desacoplamento (a maior e mais importante, a partir de 300 mil anos após o início de tudo, pois é neste período que as estrelas, galáxias, etc., se formam). Ocorre a expansão do Universo.
5. CONCLUSÃO
O Universo mostra-se como uma obra magnífica que para muitos é obra do acaso, para outros, fruto de uma ordenação que não conseguimos atingir. A Mecânica Quântica, importantíssima contribuição da Física ao entendimento, mostra-nos microscopicamente que onde pensamos haver o vácuo ocorre a formação e aniquilamento constante de partículas. O vácuo absoluto parece não existir, talvez corroborando o horror que Aristóteles tinha ao vazio. Muitos objetos cósmicos estranhos mostram-se macroscopicamente ao olhar dos pesquisadores; outros já foram, a princípio, revelados.
Porém, o que é importante ressaltar é que, tanto no micro, quanto no macro, o Universo e toda a Criação revelam a nós, humanos, tantas verdades que poderiam fazer deste mundo um lugar melhor, se estivessem no coração de cada um: nossa pequena posição individual; nosso papel na preservação na natureza; a grandeza de um conhecimento que nos espera para ser revelado, e que certamente nos foi legado para a maior evolução daqueles que compreendem a Criação.
REFERÊNCIAS & LEITURA RECOMENDADA
· Guitton, Jean; Bogdanov, Grichka; Bogdanov, Igor; Deus e a Ciência; Ed. Nova Fronteira; 1991;
· Weisskopf, Victor F.; The Origin of the Universe - An introduction to recent theoretical developments that are linking cosmology and particle physics; American Scientist; Vol. 71; 1983;
· Silk, J.; O Big Bang; Ed. UNB; 1988;
· Hawking, Stephen; O Universo numa Casca de Noz; Ed. ARX; 2001.