Texto retirado do original publicado na Revista "Física na Escola", da Sociedade Brasileira de Física,
v. 6, n. 2, 2005.
v. 6, n. 2, 2005.
Por: Adílio Jorge Marques e Cláudio E. da Silva
Resumo
É possível utilizar um projeto ou atividade extracurricular como a Olimpíada Brasileira de Astronomia & Astronáutica, conhecida por OBA, para introduzir a Física Moderna no Ensino Médio? Esta é a proposta deste trabalho a partir da experiência em um grande Colégio do Rio de Janeiro, capital, ocorrida desde o primeiro semestre de 2004. A OBA atinge desde o Ensino Fundamental até alunos do 3° ano do Ensino Médio. Com tal faixa de atuação, durante os meses de março e abril até a prova da Olimpíada, em maio, foram realizadas aulas expositivas aos participantes sobre aspectos da astronomia. A questão inicial era melhor preparar nossos alunos para o exame. Porém, com as exposições e discussões, muitos alunos desejaram e foram além do esperado, buscando um maior aprofundamento em questões que estão fora da grade curricular e dentro do que se estabeleceu por física moderna e contemporânea. Artigo publicado na Revista Física na Escola, v. 6, n. 2, 2005.
Introdução
Atualmente ocorre um movimento de maior interesse pela pesquisa em Física Moderna e Contemporânea (FMC) inserida na grade curricular do Ensino Médio. Muitos livros didáticos vêm trazendo em seu conteúdo comentários, partes ou capítulos dedicados ao assunto, porém normalmente destacados do contexto do restante da obra e mesmo da realidade brasileira quanto a conteúdos curriculares. Não é escopo deste trabalho analisar os livros didáticos sob a ótica da FMC. Porém, a proposta da introdução da FMC no Ensino Médio através de projetos paralelos é uma alternativa a ser considerada, seja através do estudo de um único tema em projetos específicos ou mesmo de vários tópicos da FMC quando tratar-se de um projeto pensado para ocorrer durante todo o ano letivo. No caso da experiência aqui relatada, começou como uma proposta para dois meses, mas que se estendeu por mais cinco meses devido à existência de um projeto paralelo que já existia no Colégio chamado de “Monitoria Discente”. A atual legislação educacional brasileira incentiva o ensino de novas tecnologias e conteúdos, deixando livre às escolas a adaptação curricular e quais as competências e habilidades em Física que os alunos devem adquirir [1]. Sabemos que a quebra de paradigmas educacionais muitas das vezes é lenta, enfrentando a oposição de setores da própria educação. A idéia é que acontecimentos ou projetos como a OBA podem e devem ser utilizados de muitas maneiras, onde “como recurso pedagógico, infelizmente, são pouco explorados. Fora do Brasil existem há muitos anos” [2].
A motivação discente pode começar também pelo processo de alfabetização científica, sendo que esta deve ser separada do conhecimento adquirido pelo senso comum. O interesse pela FMC no Colégio intensificou-se através da amostra sobre astronomia. As relações de causa e efeito facilitam para muitos o mecanismo do aprendizado. Dentro da realidade do ensino, porém, nem sempre é possível uma experiência prática de todos os temas estudados. O que não deve impedir a inclusão de qualquer assunto, contanto que haja uma motivação. Podemos então fazer da OBA uma destas motivações discentes? E, por que não, promover um salto cognitivo do próprio educador? As exposições realizadas em nosso projeto foram conceituais e sem a preocupação matemática inerente a muitos livros didáticos, ou mesmo como encontrada normalmente na Internet. A proposta era fazer um aprofundamento conceitual da FMC através da astronomia.
A motivação e o estudo da FMC
O evento da OBA mobiliza o Colégio e o Brasil, fazendo com que um número cada vez maior de alunos do sistema educacional brasileiro participe da prova. Como o tema astronomia não é muito discutido na maioria das escolas brasileiras, resolvemos disponibilizar um material de estudo na biblioteca. O capítulo de gravitação surge para muitos de nossos alunos brasileiros apenas no início do 2° ano do Ensino Médio. Logo, os alunos necessitam de aulas expositivas sobre temas de Astronomia, visando uma preparação para a prova da OBA em maio. Organizamos as aulas na parte da tarde dentro de outro projeto do Colégio chamado de “‘Monitoria de Física”, trabalho interno de pesquisa discente nesta disciplina e que foi inaugurado em 2004.
As aulas semanais foram organizadas à tarde (já que as aulas regulares do Ensino Médio ocorrem pela manhã), de modo a permitir a participação dos alunos através de perguntas e pesquisas individuais, e de maneira que pudéssemos medir o nível de aprendizado adquirido até o momento com o que seria cobrado na prova. Durante as aulas propusemos a exposição de variados temas, tais como:
• formação de corpos celestes: planetas, luas, cometas, asteróides, o sistema solar;
• a Terra e a Lua; seus movimentos; força de Coriolis;
• observação de corpos celestes;
• estações do ano;
• Sol; estrelas de variados tipos;
• a Via Láctea; galáxias;
• relatividade restrita;
• buracos negros;
• discussão de provas antigas;
• termos astronômicos.
Através de vídeos, figuras, gráficos, provas anteriores da Olimpíada, simulações e sítios da Internet sobre os temas, procurou-se passar uma quantidade de informação que era totalmente nova para muitos, apesar de possuírem alguma noção sobre Astronomia apenas através da curiosidade por programas de canal fechado e revistas de divulgação científica, ou ainda pelo estudo das Leis de Newton e Kepler (2° ano E. Médio).
A participação é intensa e muitos alunos se sentem motivados a continuar a ler e pesquisar sobre o assunto mesmo depois da prova da OBA. Uma minoria achou que não teria tempo de entender mais sobre o assunto e obter sucesso, afastando-se logo no início. A maior parte do grupo original que permaneceu não só resolveu discutir os temas propostos, como levantou dúvidas relativas à Astronomia e à FMC.
Alguns dos temas abordados, derivados das provas anteriores e das aulas/discussões estão abaixo assinalados. Procuramos destacar, antes das perguntas coletadas dos alunos, as áreas da FMC que abordam o assunto em questão:
• Relatividade Especial: como o tempo e o espaço podem variar com o aumento da velocidade? Podemos viajar no tempo? Como Einstein chegou aos princípios da relatividade?
• Quântica e a natureza da luz: onda ou partícula? Como as cores atuam no espalhamento? O que é o Modelo Padrão?
• Relatividade Geral: a luz pode ser desviada por corpos muito maciços?O espaço é curvo?
• Nuclear: os processos nucleares dentro das estrelas mostradas através no diagrama H-R podem ser reproduzidos pelo homem? Como os elementos químicos se formam? É quase o mesmo processo que acontece nas usinas nucleares?
Conclusões
Após as provas da OBA ao longo deste Projeto (e que já dura seis anos) verificamos o seu pleno sucesso. O Projeto de “Monitoria Discente”, atualmente chamado de “Iniciação Científica no Ensino Médio” continuou à tarde, e alguns destes temas foram conceitualmente aprofundados.
A utilização de montagens para o estudo do espectro das ondas eletromagnéticas e do espectro luminoso motivou pesquisas teóricas sobre corpo negro e as relações físicas e históricas com a mecânica quântica [3]. Buscamos, desta forma, contextualizar a FMC envolvendo sempre no início a Astronomia.
Concluímos que a Astronomia serviu como ponto de partida para as pesquisas em FMC. Após a experiência relatada, pareceu-nos possível propor o ensino da FMC através da Astronomia. Não foi possível ainda abrir espaço na grade curricular do Colégio Santo Inácio para a FMC, principalmente devido ao modelo de vestibular adotado em nosso país, mas projetos independentes, de curta ou longa duração, podem ser ministrados com alunos que realmente se interessem pelo tema, motivando os demais colegas e demonstrando a importância da FMC para toda a escola. Mostras de História da Ciência ou Feiras de Ciências/Tecnologia são exemplos. O próprio aumento drástico de interesse pela OBA no Colégio mostra que a persistência e a divulgação podem levar à criação de uma cultura que propicie a inclusão da FMC nas escolas brasileiras.
A importância da Astronomia na história das civilizações humanas, sua relação direta com o início e existência da vida na Terra, e talvez fora dela, e os processos químicos envolvidos, podem ser motivadores para projetos inter-áreas, contextualizando os conteúdos ensinados [4].
Referências
[1] F. Ostermann, Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 19, 176, 2002.
[2] J. B. G. Canalle, D. F. Lavouras; R. H. Trevisan, C. M. R. de Souza, E. S. Júnior e G. B. Afonso, Física na Escola, 3, n. 2, 11, 2002.
[3] C. R. C. Tavolaro e M. A. Cavalcante, Física Moderna e Experimental, Ed. Manole: São Paulo, 2003.
[4] A.C. Lopes, Políticas de Currículo: Mediação por Grupos Disciplinares de Ensino de Ciências e Matemática, in: Currículo de Ciências em Debate, Papirus Editora: Campinas, 2003, cap. 2, p. 45-75.
Não só a OBA, mas as aulas de monitoria que tive foram essenciais para despertar meu interesse pelas questões de física moderna.
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