Cavaleiro

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Os créditos da ilustração são de André Marques - www.andre.art.br

MARTINISMO, UMA VIA CARDÍACA

Por: Adílio Jorge Marques.

 

 
“De fato, o emprego habitual dos nossos dias é semelhante
a um sacrificar-se recíproco, enquanto que percorrendo
o caminho traçado pela consciência da nossa fragilidade
poderíamos reciprocamente encaminhar-nos no bem”.

 
ECCE HOMO
(Louis Claude de Saint Martin - O Filósofo Desconhecido)

 

 
A Tradição Primordial sempre esteve presente em nossa civilização de alguma forma. Algumas vezes através de personalidades que nos legaram profundos conhecimentos, e que muitas vezes transformaram a nossa história. Organizações mais ou menos hierarquizadas procuram, em todos os tempos, trazer a Luz Maior para este mundo. Provavelmente muitos já ouviram falar de várias linhagens Iniciáticas com tal propósito, sendo o Martinismo é uma dessas Tradições.

 
O termo deve-se a Louis Claude de Saint Martin, conhecido também por “Filósofo Desconhecido”. Viveu na França em uma época turbulenta política e intelectualmente (segunda metade do século XVIII), procurando amenizar com Saint Germain e Cagliosto os efeitos que o Terror pós-Revolução Francesa trouxe aos homens da Europa. Foi considerado por seus pares como “o mais sábio, o mais instruído e o mais elegante teósofo moderno” (Joseph de Maistre). Assim, nos salões e pequenos círculos de estudos na França e fora dela, suas instruções ficaram conhecidas como “Martinismo”. Saint Martin negava ser o verdadeiro autor do que ensinava. Rendia homenagem aos seus Iniciadores, legando um conhecimento místico a todos que se comprometiam com uma transformação interior verdadeira e não dogmática, e que leva a uma nova visão do mundo. A base era uma Iniciação por ele transmitida e que deveria perpetuar simbolicamente o conhecimento que deveria elevar o nível interior da humanidade. Logo, seu objetivo não era apenas consigo mesmo ou com um grupo/Organização em especial, mas com a própria humanidade.

 
Importante descrever brevemente os relacionamentos de Saint Martin, assim como sua biografia, o que deveria ser buscado e aprofundado por todos os que quisessem conhecer uma diferente forma de pensar dos setecentos. Nasce a 18 de janeiro de 1743 em Amboise, França, tendo sido educado e orientado sabiamente por sua madrasta, que aguçou desde jovem sua visão mística e cristã. Estuda as Leis e se forma, mas seu interesse filosófico o afastou da profissão. Entrou para a carreira militar aos 22 anos em Bordeaux, o que lhe deu mais tempo para os estudos místicos. Um de seus amigos oficiais era membro da “Ordem Maçônica dos Elus-Cohen do Universo”, cuja orientação pertencia a um místico chamado Martinès de Pasqually. Ambos logo se tornaram amigos.

 
A vida do Mestre dos Elus-Cohen nunca foi bem esclarecida pela história. Sabe-se que fundou sua Ordem em 1754 em Paris e que rapidamente difundiu seus conhecimentos em várias Lojas pela França, local e época das buscas e descobertas filosóficas. Em 1771 Saint Martin largou o exército para se dedicar melhor ao estudo filosófico, tornando-se secretário pessoal de Pasqually. Em 1772 problemas pessoais não conhecidos obrigaram Martinès a se mudar para o Haiti, aonde veio a falecer logo depois (1774). Sem a presença física de seu fundador a Ordem dos Elus-Cohen caiu progressivamente até entrar em dormência. Martinès havia passado pouco de muito do seu “saber teúrgico”, assim como conhecimentos gerais herdados da Tradição, o que acelerou o processo de dissolução, apesar de algumas poucas Organizações contemporâneas ainda outorgarem para si o nome desta Ordem.

 
Jean Baptiste Willermoz, comerciante de Lyon e também discípulo de Martinès, torna-se amigo de Saint Martin. Estrutura o “Regime Maçônico Escocês Retificado”, do qual Saint Martin participou por algum tempo até também desistir, optando por um caminho próprio e interior. Este caminho pessoal, chamado depois de “via cardíaca” por seu criador Louis Claude de Saint Martin, era uma clara alusão de que existia alternativa, menos trabalhosa e perigosa do que os meios “mágicos”, de se chegar ao contato interno com o Criador. Como disse em suas cartas e obras, a “parafernália” utilizada pela teurgia, com “intermediários”, era um caminho mais próprio aos enganos do que o caminho das preces e dos que tiveram seu coração tocado pelo “Amor Crístico”.

 
Saint Martin Viajou por vários países da Europa e conheceu as obras filosóficas de Jacob Boehme aos 45 anos, o que o entusiasmou e transformou de tal maneira que buscou aprender alemão para poder traduzir do original as obras de Boehme. E assim o fez até o fim de seus dias em 13 de outubro de 1803. Disse certa vez Louis Claude de Saint Martin: “É a Martinès de Pasqually que devo minha Iniciação às verdades superiores, e é a Jacob Boehme que devo os passos mais importantes que dei nessas verdades”.

 
Saint Martin escreveu várias obras assinando-as como “Filósofo Desconhecido”. São livros basilares para aqueles que buscam o entendimento Martinista:

  • Ecce Homo
  • Dos Erros e da Verdade ou Os Homens Convocados ao Princípio Universal da Ciência
  • Quadro Natural das Relações entre Deus, o Homem e o Universo
  • O Homem de desejo
  • O Novo Homem
  • O Espírito das Coisas
  • O Ministério do Homem-Espírito
  • Cartas póstumas

 As obras Martinistas não somente explicam a natureza do e para “o homem”, mas associam todos os conhecimentos disponíveis até aquele século ao princípio de que o espírito humano pode se tornar o centro da busca sem dogmas ou magias estapafúrdias. Em resumo, o espírito e finalidade do Martinismo podem ser sintetizados deste modo:

 
Devemos abandonar o “velho homem”, tomar em nossas mãos o destino e deixar de sermos “Homens da Torrente”. Pelo exercício da própria vontade deve se tornar um “Homem de Desejo” e fazer nascer em si mesmo, com a ajuda Divina, um “Novo Homem”. Quando tiver alcançado tal estado, por uma regeneração completa de seu ser e por um segundo nascimento interior, voltará a ser o “Homem-Espírito” que era na Criação. Estará enfim cumprindo o “ministério” que o Invisível lhe havia confiado na origem do mundo. Pela força de seus direitos primitivos ele poderá trabalhar para a Regeneração e Reintegração de si e da Criação na Unidade, aliás, nosso principal objetivo nesta vida ou em alguma próxima.

 
Como reencontrar esse estado paradisíaco, para o qual o ser humano foi criado no início dos tempos e acabou por perder, como diz Pasqually em sua obra “Tratado da Reintegração dos Seres” e a própria Gênese bíblica? Aí está a busca Martinista. A busca pela REINTEGRAÇÃO dos homens. Se a humanidade perdeu sua potencialidade primordial, enquanto Pensamento, Palavra e Ação, dela conserva, no entanto, o germe. Basta que aplique sua vontade para cultivar essa raiz e fazê-la frutificar.

 
Este é um caminho da VONTADE. Entre o destino, por vezes aleatório, e a Divina Providência vivida pelos homens, é necessário então escolher. Àqueles ligados à cadeia Iniciática Martinista, tornar-se um Homem de Desejo é empreender a reconstrução de seu Templo Interior. Para edificar esse eterno Templo, apóia-se em dois pilares simbólicos: da Iniciação e dos ensinamentos, ou seja, o pilar do Conhecimento. A Iniciação marca efetivamente o começo de seu grande trabalho, pois é o momento em que ele recebe a “semente de luz” que constitui o alicerce de sua obra, segundo Louis Claude de Saint Martin. Cabe-lhe em seguida trabalhar para “manifestar e irradiar essa Luz Maior”. As Iniciações Martinistas constituem um momento privilegiado, reencontro de um Homem de Desejo com seu Iniciador. Elas só existem ou são reconhecidas quando realizadas de corpo presente entre ambos. Atitudes que representam terrenalmente uma transformação maior que deveria ocorrer no INTERIOR de cada um. Para Saint Martin, é aquela pela mudança qual “podemos entrar no coração de Deus e fazer entrar o coração de Deus em nós, para aí fazer um casamento indissolúvel...”. A eliminação dos vícios e a busca das virtudes.

 
Para estudar seus ensinamentos, e principalmente seus símbolos, Saint Martin selecionou e formou um Círculo de discípulos conhecidos pelo nome de “Sociedade dos Íntimos”, que trabalhava com a mais pura espiritualidade interior. A partir do século 19, e após a sua morte, seus ensinamentos continuaram ininterruptamente de discípulo a discípulo, como podemos ver no esquema abaixo. Em 1891, Papus e Augustin Chaboseau criou a “Ordem Martinista”, conhecida na França como a primeira organização deste caminho místico. Com a morte de Papus em 1916 e as turbulências da I Grande Guerra, o original Conselho Supremo desta Ordem foi-se desfazendo e muitos de seus membros criaram suas próprias Organizações Martinistas.

Um comentário:

  1. Interessante!Sobre outras iniciativas de transcendência, indico aos seguidores de Adílio o Blog: http://cuadernodereligion.blogia.com/temas/candomble.php
    Observatorio das tradições místicas.
    Um grande abraço,
    Flávia Dorneles

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