Cavaleiro

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Os créditos da ilustração são de André Marques - www.andre.art.br

Gestão pública e democracia

Por Aluizio Belisário*
“Coluna do Leitor” – Revista Carta Capital de 11 de novembro de 2010. Original:


O momento pós-eleitoral parece propício à reflexão sobre alguns aspectos relativos à democracia e um dos temas recorrentes diz respeito às possibilidades concretas de uma gestão pública democrática, destacando-se aí, a questão enfrentada pelas Metrópoles: como conduzir um grande centro urbano, com sua enorme gama de problemas, a uma administração democrática?

Muitos estudiosos e membros das máquinas governamentais parecem convergir para uma mesma solução: a saída “mágica” estaria na descentralização e na criação de canais de participação popular. Saída “mágica” porque, todos parecem apegar-se a esta proposta como algo de fácil implementação, sem maiores preocupações com a necessidade de uma clara compreensão de seu conteúdo ideológico e das implicações de ordem política, oriundas de sua adoção.

O assunto, em geral, é tratado como se descentralização e participação fossem meras categorias administrativas – quando mais razoável seria o entendimento da descentralização como instrumento organizacional necessário e capaz de criar canais que permitam a participação popular no processo decisório, sendo esta participação uma opção político-ideológica que, não apenas exige um amplo debate político, mas também que se leve em consideração que o seu grau e ritmo dependem muito do estágio de desenvolvimento da organização da sociedade civil.

Mais ainda, há uma grande confusão entre os conceitos de descentralização – que pode ser entendida como uma política administrativa, onde a tônica encontra-se na delegação de autoridade e autonomia; e desconcentração – que implica na distribuição e alocação dos Centros prestadores de serviços, nas áreas ou regiões, onde se localizam seus usuários.

Entretanto, as diversas experiências de adoção de Programas Governamentais de Descentralização e Participação, desenvolvidas nas últimas décadas em diversos municípios brasileiros, indicam o enfrentamento de uma luta não tão simples e de muitos adversários – vide a frequente desativação destes Programas por governos subsequentes aos que os implementaram. Isso sem contar com parciais ou integrais insucessos no próprio período de adoção de tal política.

Parece, portanto, de suma importância desmistificar a “descentralização” como tábua de salvação das grandes cidades e procurar entendê-la como instrumento de implementação de uma política mais ampla, de democratização das instituições publicas.

Esta discussão leva, naturalmente, à necessidade de uma reflexão mais cuidadosa acerca das grandes cidades, ou seja, como podem ser entendidas e administradas de modo que se atenuem dois de seus maiores problemas: a deterioração da qualidade de vida e a complexidade de sua gestão.

Tendo em vista que, apesar de a maioria dos municípios poderem ser encarados como unidades próximas dos cidadãos e pequenas o suficiente, para permitir uma gestão mais democrática e eficiente – não são poucas as cidades que se caracterizam como Metrópoles ou caminham para isso – há centros urbanos que possuem contingentes populacionais e extensões territoriais de tal ordem, que são, muitas vezes, superiores a estados ou mesmo países, isso sem dizer que são, em geral, compostos de microrregiões bastante desassemelhadas entre si.

Também é possível extrair-se da literatura sobre urbanização, bem como de depoimentos de autoridades governamentais, a proposição da Descentralização e da Participação, como ideias básicas de uma ação municipalista, capazes de trazer a grande cidade ao nível do pequeno Município.

A discussão que se processou até o momento, indica a adoção da Descentralização Administrativa e da Participação Comunitária, como alternativa para a gestão dos grandes centros urbanos, porém tal proposta não pode ser encarada meramente sob o aspecto organizacional ou administrativo, sob pena de, assim encarada, estar condenada ao fracasso.

Pensar na descentralização, como forma de tornar a administração publica mais eficiente, não constitui novidade. Pensar na descentralização, como instrumento de uma política mais ampla, voltada para a democratização da gestão publica, ou seja, utilizar-se da descentralização da máquina administrativa, para torná-la permeável à participação popular no processo decisório, isto sim, pode ser considerado um avanço em direção a uma gestão moderna e democrática.

Mais do que realizar reformas administrativas, que transformem a fechada máquina burocrática em instrumento, não da cooptação do interesse dominado através de sua submissão às regras do jogo burocrático, mas sim, de encaminhamento independente destes interesses, é necessária uma definição inequívoca de uma política socializante, ou seja, mais do que uma reforma de estrutura ou procedimentos administrativos, trata-se de provocar uma revolução no comportamento da burocracia e, porque não dizer, também da comunidade organizada, tendo em vista a necessidade de se repensar as relações governantes-governados.

Qualquer tentativa de mobilizar a comunidade a participar das decisões governamentais, passa por entender que, esta mesma comunidade deve participar das definições das mudanças administrativas a serem efetuadas, de modo a minimizar os riscos de sua cooptação por parte de uma burocracia, cujo objetivo é, claramente, impor-se como centro de poder, com base em uma pretensa racionalidade tecnocrática. Assim, embora todas as indicações levem a crer que a saída para a crise política, social, econômica e administrativa das Metrópoles, encontra-se na implantação da descentralização, é necessário que se tenha muita clareza, tanto com relação ao que significa descentralizar, quanto dos limites desta descentralização.

Na realidade, em se pensando em grandes centros urbanos, não se trata apenas de descentralizar e promover a participação comunitária, mas também, como já se afirmou anteriormente, de se desconcentrar a prestação de serviços, tendo em vista a perda das características de governo local, ocorrida no processo de urbanização e consequente crescimento das cidades.

É importante salientar que, muitas vezes, defensores radicais da descentralização, tornam-se críticos contundentes desta política, exatamente por confundirem desconcentração com descentralização e por não terem percebido o real alcance político de tal proposta – que obviamente, não é apenas uma resposta de ordem organizacional ou administrativa aos problemas das Metrópoles.

Em outras palavras, a desconcentração e descentralização da máquina podem até se impor a partir de uma “racionalidade organizacional e administrativa”, mas a promoção da participação, de fato, dos cidadãos no processo decisório, se impõe a partir, principalmente destes próprios cidadãos, daí o risco já mencionado de, ao não levar estes aspectos em consideração, se cooptar o interesse dominado, ou seja, de se implementar uma política que, longe de levar a uma participação organizada e democrática, pode levar a uma farsa, com a criação de novos grupos de poder tão ou mais eficientes na prática clientelista e reacionária, quanto as burocracias mais fechadas e retrógradas.


*Aluizio Belisário é Professor Adjunto da UERJ. Doutor em Educação-PROPED/UERJ,
Mestre e Bacharel em Administração Pública-EBAPE/FGV.


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Diferenças fenomenológicas entre as filosofias de Husserl e de Kant


André Vinícius Dias Senra*, Adilio Jorge Marques**


Introdução

O conceito de Fenomenologia é uma indicação para constituir uma ciência filosófica. Etimologicamente, phainomenon (objeto fenomênico) deve ser assunto de um saber do conhecimento em geral (wissenschaft). O termo wissenschaft tem o sentido de uma ciência da razão e não se restringe à pesquisa científico-natural meramente objetivista. Assim sendo, o conceito de Fenomenologia implica em um estudo que não leva em conta apenas o mundo objetivo, mas também como o sujeito representa o objeto de tal modo que este não seja reduzido ao solipsismo subjetivista.


Discussão

Kant pode ser considerado como o pensador que fundou as bases para o estudo de uma fenomenologia enquanto disciplina acadêmica, na medida em que cunhou a expressão ‘fenômeno’ para designar os objetos que podem ser conhecidos pela razão humana. O kantismo tornou-se referência para análise dos aspectos relacionados à teoria do conhecimento. E a característica específica da filosofia kantiana é ser uma filosofia transcendental, ou seja, buscar a fundação do conhecimento a partir do que pode ser representado fenomenicamente.

De acordo com Husserl, o método fenomenológico é o método filosófico por excelência, contudo, ele considera que o projeto filosófico de Kant encontra-se incapaz de cumprir o que promete em teoria. Husserl entende que o conceito kantiano de fenômeno sustenta-se na ideia da condição de possibilidade para uma experiência cognoscitiva. Isto significa que tal conceito fundamenta-se em uma restrição de caráter empírico, não lógico. Segundo Husserl, este é o problema kantiano na tarefa para constituir uma fundação do conhecimento a partir do que deveria ser um projeto fenomenológico. Husserl acusa Kant de ter fracassado no projeto de uma Fenomenologia porque sua filosofia seria muito fisicalista, o que tornou impossível abordar a ideia do fenômeno sem que esta não estivesse reduzida aos aspectos sensíveis.

Vendo pelo pensamento de Husserl, a superação do psicologismo torna-se necessária não somente em função do reconhecimento da esfera ideal da objetividade na condição de independente da sensibilidade, mas principalmente porque a fenomenologia pretende ser o método filosófico que estabelece a fundação objetiva para o conhecimento em geral. O psicologismo enquanto doutrina torna possível a redução da objetividade, da relação de conhecimento, aos aspectos subjetivos, tanto no sentido idealista quanto no empirista. 

Husserl considerava que a tese psicologista tem como pressuposto a tradição metafísica, que ao apoiar-se na ideia da representação subjetiva do objeto, permitiu a existência de disputas envolvendo o dualismo entre sujeito e objeto, que teve como conseqüência, o aparecimento do ceticismo, precisamente por conta da ausência de um rigoroso fundamento filosófico para a questão. É a herança do kantismo, segundo Husserl.

Deste modo, Husserl entendeu que o problema era que a base de argumentação cognitiva mantinha seu foco, até então, no objeto transcendente, do mesmo modo, e analogamente, que a apreensão intuitiva deste objeto só poderia ser efetuada pelo sujeito empírico.


Conclusões

Husserl não considera a filosofia kantiana como falsa, mas certamente insuficiente para estabelecer os parâmetros do autêntico método filosófico. Ao propor uma crítica da razão pura, Kant acertou ao perceber que o embate entre idealistas e empiristas era infrutífero e estéril para a Filosofia. Contudo, o fato é que este dualismo ainda se mantém no criticismo kantiano, de tal modo que Kant não garantiu as bases para que a Filosofia não pudesse ser superada pela Ciência. Muito pelo contrário, em sua resposta Kant nega a possibilidade da Filosofia como ciência. Para Husserl, a resposta de Kant e dos kantianos mostra falta de compreensão sobre o que deve ser uma ciência filosófica.


Referências

1 Husserl, E.  A Ideia da Fenomenologia. Lisboa: Ed.70, 1986.
2 Kant, I.  Crítica da Razão Pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989.

*Doutorando do Programa de História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia (HCTE) da UFRJ.
** Doutor em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia pelo programa HCTE da UFRJ.