Cavaleiro

Cavaleiro
Os créditos da ilustração são de André Marques - www.andre.art.br

Considerações sobre a Filosofia Primeira de Aristóteles

Por: Adílio Jorge Marques & André Vinícios Dias Senra.


Introdução

A proposta de abordagem da temática ‘científica’ em Aristóteles tem a ver com o fato de que foi este pensador quem originou um vasto campo de investigações racionais, a tal ponto de a maioria das ciências modernas disporem, como pressupostos, das referências dos trabalhos de Aristóteles. E isto se verifica, inclusive, no modo como Aristóteles utiliza a linguagem de modo, digamos, “objetificante”, e que termina por influenciar o tipo de escrita denominada científica. Assim, pois, em uma época da história do pensamento ocidental em que a admiração e o assombro predominavam e eram tratados como motivos para a investigação racional, Aristóteles se diferencia de outros gregos, pois, sua explicação é contida, seu estilo de escrita é ‘seco’ e não possui aquela tendência de poetizar o conhecimento. Os escritos de Aristóteles, por exemplo, não possuem a beleza de imagens que os estilos de Platão ou de Parmênides proporcionam. A concepção aristotélica do conhecimento estava mais para uma categorização de certos aspectos do real, do que propriamente para a configuração de um modelo científico com características do período moderno. Neste trabalho, pretende-se compreender o sentido da concepção aristotélica acerca do conhecimento. E, sobretudo, pretende-se mostrar que há uma hierarquia entre conhecimentos que foi estabelecida por Aristóteles, onde a forma de conhecimento superior é a denominada como Filosofia Primeira. A ciência é, para este filósofo, um modo de reconhecimento da causa pela qual esse algo é e, este algo, apresentando certa característica, não pode ser de outro modo. Assim, o conhecimento, para Aristóteles, é definido em termos de relações causais e necessidade. No entanto, nesta concepção sobre Filosofia Primeira, existe mais platonismo do que se supõe usualmente. Texto publicado no Congresso Scientiarum Historia/2008.

Discussão

Costuma-se dizer que o aparecimento do termo ‘Metafísica’ para designar o conjunto referente aos quatorze manuscritos que constituem o título do livro homônimo do Aristóteles não foi assim denominado pelo próprio filósofo. O título deste livro não pode ser atribuído ao próprio Estagirita. E isto porque este jamais teria usado esse termo em nenhum de seus escritos para referir-se à Filosofia Primeira. Muito embora, esta obra tenha ficado famosa com este título, e seja considerado um dos mais importantes tratados de Filosofia já escritos até hoje. Isto se deve a que tal conjunto dos escritos de Aristóteles permaneceu perdido desde a sua morte (estimada em 322 a.C.), até o primeiro século antes de Cristo, quando, então, reapareceu e foi editado por Andrônico de Rodes. Segundo a versão corrente, Andrônico teria denominado tais escritos aristotélicos como pertencentes à Metafísica por razões meramente editoriais. Assim, por uma questão de ordem cronológica entre os escritos, os ensaios sobre Filosofia Primeira deveriam ser após os estudos da Física. Contudo, filosoficamente, parece mais plausível considerar que a opção de Andrônico pelo termo “Metafísica” foi porque, etimologicamente, este nome quer dizer àquilo que ‘ultrapassa a física’ ou a consideração filosófica em prol da transcendência dos objetos naturais a partir de sua causa material. Tendo como referência, o modo como Aristóteles classificava a hierarquia entre conhecimentos, pode-se concluir que a Filosofia Primeira deveria tratar daquilo que vai além da física, daquilo que a transcende. Assim, pois, a idéia da Filosofia Primeira, além de receber o nome de Metafísica, também deve ser entendida como a noção aristotélica de ‘ciência’ teórica por excelência. As finalidades da Filosofia Primeira são pelo menos quatro: (a) o conhecimento das causas ou princípios primeiros; (b) o conhecimento do ser enquanto ser; (c) a indagação sobre a substância; (d) a indagação sobre Deus e a substância supra-sensível. De qualquer modo, sabe-se que o termo Metafísica seria equivalente à idéia de Filosofia Primeira.
O objeto do qual se trata a partir da referência ao termo filosofia primeira, é o supra-sensível. Por supra-sensível, se entendem as formas puras, análogas ou semelhantes às Idéias platônicas. O estudo do Ser enquanto Ser foi denominado de Filosofia Primeira, e, posteriormente, na época moderna, foi denominado como razão pura. Este estudo consiste na análise das formas separadas dos aspectos materiais. Em Aristóteles, a metafísica já pode ser considerada como um saber que mantém proximidade com a idéia de mereologia, ou seja, a relação do todo com as partes. E isto porque Aristóteles procura desenvolver um modo de integração da filosofia pura em composição com aspectos realistas.
A abordagem metafísica é, geralmente, associada com a dimensão religiosa da experiência humana. E ainda que seja possível utilizar tal abordagem para esta finalidade, isto não indica que necessariamente esta seja a característica do pensamento metafísico, tal como este pensamento tornou-se alvo de muitas críticas, por vezes, infundadas em muitos autores contemporâneos ligados à perspectiva científica. É fato que a metafísica possui uma parte de sua história como sendo relacionada aos aspectos medievais (um dos doutores mais representativos do pensamento cristão, Tomás de Aquino, foi responsável por esta assimilação da filosofia primeira de Aristóteles pela Igreja Católica). Mas isto não caracteriza que o estudo ontológico sirva apenas ao propósito da religião, e não da ciência. O conhecimento das causas ou princípios primeiros é um tipo de investigação que foi intentada pelos pré-socráticos, que buscavam um princípio racional que estabelecesse certo finalismo em relação à filosofia grega da natureza, ou seja, que pudesse ser tratado como o motivo causador e mantenedor da ordem do universo. Este é o sentido do estudo da physis no pensamento grego, ou seja, a busca por uma analogia que comportasse, em um esquema racional, o imutável e o devir, ou a unidade e a multiplicidade.
Como tudo o que é da ordem natural está sujeito às modificações em seu aspecto material, daí se conclui que este princípio primeiro ordenador do mundo não poderia ser material. Caso o princípio de ordenação fosse sujeito à mudança, não haveria sentido em considerar que a ordem deveria ser necessariamente permanente. A ordem pode ser identificada como a razão ontológica das coisas. A permanência é tida como característica essencial da ordem. Tanto que um dos escritos de Aristóteles sobre a mudança recebe o nome de corrupção, em clara analogia platonista entre aspectos naturais e aspectos morais-políticos, ambos pertinentes ao que é sensível. O tratamento aristotélico dado ao conhecimento metafísico indica que este é o mais difícil porque seus objetos, sendo os mais universais, constituem aquilo que se encontra mais distante dos sentidos. Contudo, convencionalmente, a crítica que se estabeleceu quanto ao conhecimento metafísico é de que este teria a função de condicionar e inviabilizar o conhecimento de toda a realidade sensível. Isto não é verdade. Se observarmos a filosofia da natureza na Grécia Antiga, veremos que vários pensadores estabelecem tanto princípios puros, bem como sensíveis. Desde os mais associados com a filosofia pura, como Pitágoras, Platão e Plotino, até os mais realistas como Aristóteles, ou os atomistas como Demócrito, são todos pensadores que tematizam estes dois tipos de princípios em suas filosofias. O que varia é o projeto filosófico de cada um deles, ou seja, a finalidade com que cada um atribui um valor a estes princípios nas respectivas filosofias. Talvez, o problema é que na Grécia não havia um modo adequado de unificar estes princípios através de um método. Tanto que este problema só aparece com força na época moderna. Na filosofia aristotélica, o objeto da metafísica interroga tanto a filosofia primeira na busca por um fim universal, quanto pode se referir a um fim particular sobre o real. A pergunta por um ente singular indica que a metafísica abrange, inclusive, o que pertence ao domínio científico-natural, pois, se considerarmos que as ciências investigam o mundo entitativo, subdivide-se em regiões (ontológicas) singulares do ente, e chamam o ente de objeto de estudo metodológico. Para Aristóteles, o conhecimento material sobre o ente indica o estudo dos acidentes. O acidental seria o mesmo que o contingente, por isso, a posteriori. A filosofia primeira seria o estudo da necessidade a priori. Portanto, metafisicamente, o ente, ou nos termos de Leibniz, o ser do ente, vem ao encontro da nossa experiência como algo em geral, que não assume nenhuma determinação, pois, isto seria a objetivação de um particular. Nesse sentido, o ser é o mesmo que pensar em um gênero. Por esta razão, Aristóteles é considerado um autor ‘científico’, pois, em sua consideração sobre a Filosofia Primeira, existe a possibilidade (ainda que não tenha sido realizada pela falta de um método) de integrar o supra-sensível e o sensível.
No entanto, Aristóteles achava que a filosofia primeira é, dentre as ciências, a mais nobre e superior, pois ela não depende de qualquer aplicação prática, sendo o motivo para a investigação metafísica um puro e desinteressado desejo de saber advindo daquilo que o homem tem de mais essencial, que é o uso de sua razão e inteligência. A indagação sobre o ser enquanto ser, nos leva à questão dos vários sentidos do ser (acidental, verdadeiro, falso, potência e ato, categorial), e esse modo de questionar nos conduz ao ser por si mesmo, o ser da categoria de substância. A indagação sobre a substância, por fim, deve conduzir à questão de se saber se só existem as substâncias sensíveis ou se existem também as substâncias supra-sensíveis. A questão do supra-sensível teve início quando Parmênides começou a investigação sobre o ser e concluiu que o ser é Um. Para Aristóteles, o ser se diz de múltiplos modos. A multiplicidade da qual Aristóteles fala refere-se à variedade com que podemos observar os aspectos do mundo entitativo. Todavia, Aristóteles parece enxergar o perigo existente nesta multiplicidade, na medida em que a diversificação, sem uma referência, conduziria à involução do conhecimento.

“Para todo e qualquer ente, para todo ente de toda e qualquer significação, há o movimento que conduz ao surgimento e o movimento de recondução para algo assim como Um.” (ARISTÓTELES, Met., 1061, 1982).

Parece que esta interpretação sugere que a unidade do ser é a unidade do conhecimento, bem como a sua multiplicidade se caracteriza como referência à diversidade dos aspectos do mundo entitativo.
A tematização da Filosofia Primeira de Aristóteles na condição de ciência que investiga o ser enquanto ser, indica uma orientação que procura identificar as mais universais características da realidade ou do ser, ou ainda, este projeto filosófico está voltado para a identificação das categorias ou espécies mais gerais das coisas. A especificação do que distingue esses tipos, ou categorias, uns dos outros, e a identificação dos tipos de relação que ligam objetos de diferentes categorias entre si são as tarefas pertinentes à investigação sobre a Filosofia Primeira.
No início do livro E da Metafísica, Aristóteles nos fala que existem três tipos de entes, estudados cada qual por um tipo diferente de saber: a) as que possuem existência substancial separada, mas estão sujeitas à mudança (física); b) as que estão livres da mudança, mas que existem apenas como aspectos possíveis de distinção nas realidades concretas (matemática); c) as substâncias que possuem, simultaneamente, existência separada e estão livres da mudança (metafísica). Por esta razão, a Filosofia Primeira pode interrogar o objeto da metafísica tanto no sentido universal quanto em relação ao particular determinado, pois, apenas na metafísica eles são teoricamente conciliáveis.

Conclusões

Uma vez que a idéia aristotélica de conhecimento seja referente ao real, contudo, ainda assim, comporta certo tipo de necessidade. A necessidade não é um item natural, mas ideal, pois, não se pode vê-la em um sentido empírico. Ficando evidente que a “Ciência” de Aristóteles precisa admitir o mundo externo, ou seja, que se encontra baseada em uma concepção de realismo robusto, de outro modo, esta concepção só pode encontrar sustentação em um saber puro que a justifique. Para Aristóteles, este deve ser o posicionamento teórico que todo e qualquer conhecimento deve ter como fim a ser alcançado.


Referências

Aristóteles, Metafísica, trad. Valentin G. Yebra, Madrid, Editorial Gredos, 1982.

Mansion, A. Filosofia primeira, filosofia segunda e metafísica em Aristóteles, in Sobre a Metafísica de Aristóteles, Marco Zingano (org.), trad. Marisa Lopes, pp. 123-176, São Paulo, Odysseus Editora, 2005.

Peters, F.E. Termos Filosóficos Gregos – Um léxico histórico, trad. Beatriz Rodrigues Barbosa, Lisboa, Calouste Gulbenkian.


Conexão entre fenômenos quânticos causa surpresa a cientistas



Dois pesquisadores descobriram uma conexão inesperada e surpreendente entre as duas propriedades fundamentais da física quântica. O resultado está sendo anunciado como um avanço radical no entendimento da mecânica quântica, dando novas pistas para os cientistas que procuram compreender os fundamentos do funcionamento do mundo em escala atômica.

Stephanie Wehner, da Universidade Nacional de Cingapura, e Jonathan Oppenheim, da Universidade de Cambridge, descobriram uma ligação entre a chamada "ação fantasmagórica à distância" e o Princípio da Incerteza de Heisenberg.

O comportamento absolutamente estranho das partículas quânticas - como átomos, elétrons e fótons - tem intrigado os cientistas há quase um século. Albert Einstein foi um dos que acharam que o mundo quântico era tão estranho que a teoria quântica devia estar errada. Mas a realidade mostrou o contrário e, experimento após experimento, tem confirmado as previsões da teoria.

Fantasmas e incerteza - Um dos aspectos mais estranhos da teoria quântica é que é impossível saber certas coisas simultaneamente, como o momento e a posição de uma partícula - conhecer uma dessas propriedades afeta a precisão com que você pode conhecer a outra. Isto é conhecido como o Princípio da Incerteza de Heisenberg, em homenagem ao físico alemão Werner Heisenberg, que o enunciou nos anos 1920.

Outro aspecto insólito é o fenômeno da não-localidade, que se mostra no bem conhecido entrelaçamento quântico. Quando duas partículas ficam entrelaçadas, elas se comportam como se estivessem coordenadas entre si, como se estivessem "trocando informações" à distância, de uma forma totalmente estranha à intuição clássica sobre partículas fisicamente separadas.

Até agora, os pesquisadores vinham tratando a não-localidade e a incerteza como dois fenômenos distintos. Todavia, Wehner e Oppenheim mostraram que eles estão intrinsecamente ligados. Mais do que isso, eles demonstraram que esta ligação é quantitativa e elaboraram uma equação que mostra que a "quantidade" de não-localidade é determinada pelo princípio da incerteza.

"É uma reviravolta surpreendente e talvez irônica", disse Oppenheim. Einstein e seus colaboradores descobriram a não-localidade quando procuravam uma maneira de se livrar do princípio da incerteza. "Agora o princípio da incerteza parece estar dando o troco."

Não-localidade - A não-localidade determina como duas partículas distantes podem coordenar suas ações sem trocar informações. Os físicos acreditam que, mesmo na mecânica quântica, a informação não pode viajar mais rápido do que a luz.

Acontece que a mecânica quântica permite que duas partículas se coordenem muito melhor do que seria possível se elas obedecessem às leis da física clássica. Na verdade, as ações das partículas entrelaçadas são de tal maneira coordenadas que parece que uma é capaz de falar com a outra. Foi por isto que Einstein chamou esse fenômeno de "ação fantasmagórica à distância". 

crédito: Chanchicto/Wikimedia




O comportamento absolutamente estranho das partículas quânticas - como átomos, elétrons e fótons - tem intrigado os cientistas há quase um século


Os fantasmas podem ser ainda mais assustadores, porque é possível ter teorias que permitem que partículas separadas e distantes uma da outra coordenem suas ações muito melhor do que a natureza permite - e sem depender de que a informação viaje mais rápido do que a luz.

Limite - O que os dois pesquisadores descobriram agora é que parece haver um limite para essas esquisitices da teoria quântica. "A teoria quântica é mesmo muito estranha, mas não é tão estranha quanto poderia ser. Nós realmente temos que nos perguntar, o que limita a mecânica quântica? Por que a natureza não permite uma não-localidade ainda mais forte?", pondera Oppenheim.

A resposta que ele e Wehner encontraram está justamente no princípio da incerteza. Duas partículas só podem coordenar suas ações de forma mais eficiente se quebrarem o princípio da incerteza, que na verdade impõe um limite estrito à intensidade da não-localidade. "Seria ótimo se pudéssemos coordenar melhor nossas ações a longas distâncias, o que nos permitiria resolver muitas tarefas no processamento de informações de forma muito eficiente", diz Wehner. "No entanto, a física deveria ser fundamentalmente diferente. Se quebrarmos o princípio da incerteza, não podemos imaginar como o nosso mundo seria."

Vendo as coisas de outro modo - E como eles descobriram uma ligação que passou despercebida por tanto tempo? Wehner começou sua carreira como "hacker de computador", fazendo "serviços sob encomenda". Agora ela trabalha com teoria da informação quântica. Já Oppenheim é físico.

Wehner acredita que a aplicação das técnicas da ciência da computação às leis da física teórica foi fundamental para detectar a conexão. "Eu acho que uma das idéias fundamentais foi vincular a questão a um problema de programação", diz Wehner. "As formas tradicionais de ver a não-localidade e a incerteza obscureciam a estreita ligação entre os dois conceitos."

Jogo de tabuleiro quântico - Imagine um jogo de tabuleiro quântico, jogado por dois parceiros, Alice e Bob. O tabuleiro tem apenas dois quadrados, nos quais Alice pode colocar um contador de duas cores possíveis: verde ou rosa. Ela foi instruída a colocar a mesma cor nos dois quadrados, ou colocar uma cor diferente em cada quadrado.

Bob tem que adivinhar a cor que Alice colocar no primeiro ou no segundo quadrado. Se o seu palpite estiver correto, Alice e Bob ganham o jogo. Dessa forma, Alice e Bob vão sempre ganhar o jogo se puderem falar um com o outro: Alice simplesmente diz a Bob quais cores estão nas casas um e dois. Mas Bob e Alice estão situados tão distantes um do outro que a luz - portanto, qualquer sinal de transmissão de dados - não tem tempo para trafegar entre eles durante o jogo.

Se eles não podem se falar, não vão ganhar sempre. No entanto, através da medição das partículas quânticas, eles poderão ganhar o jogo mais vezes do que qualquer estratégia que não dependa da teoria quântica. Contudo, o princípio de incerteza os impede de se sair melhor do que isso, e ainda determina a frequência com que eles vão perder o jogo.

Princípio da física quântica - A descoberta traz de volta a questão mais profunda de quais princípios estão subjacentes à física quântica. Várias tentativas de compreender os fundamentos da mecânica quântica têm-se centrado na não-localidade.

Wehner acredita que pode ser mais interessante examinar os detalhes do princípio da incerteza. "Entretanto, nós mal arranhamos a superfície do entendimento das relações de incerteza", diz ela. Segundo os pesquisadores, sua descoberta é "à prova de futuro" e se aplica a todas as teorias que buscam encontrar uma teoria quântica da gravidade.



Uma família de químicos unindo Brasil e Portugal: Domingos Vandelli, José Bonifácio de Andrada e Silva e Alexandre Vandelli


Adílio Jorge Marques e Carlos Alberto Lombardi


Resumo

Durante aproximadamente um século, da metade dos setecentos a meados dos oitocentos, três gerações de químicos uniram dois países, Brasil e Portugal, ajudando a mudar a história política e científica de ambos. Eles tiveram papel destacado em conduzir a Química e a História Natural de Portugal a um melhor desenvolvimento e reconhecimento acadêmico. O processo se iniciou com Domingos Agostinho Vandelli (1735-1816), naturalista italiano trazido a Portugal em 1764 pela reforma pombalina, e que foi mestre de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) em Coimbra. O filho mais velho de Domingos, Alexandre Antonio Vandelli (1784-1862), viria a casar-se em Lisboa no ano de 1819 com a filha de José Bonifácio, Carlota Emília de Andrada. A ciência luso-brasileira viu surgir assim uma linhagem de químicos e naturalistas que se uniram não apenas pela afeição às Ciências Naturais, mas também por fortes laços familiares.

Palavras-chave: naturalismo, ciência luso-brasileira, Vandelli e Andrada.


O início: o Mestre Domingos Agostinho Vandelli

            No século XVIII a educação em Portugal era responsabilidade quase exclusiva da Companhia de Jesus. O poderoso Ministro de Estado do Rei D. José I (1750-1777), Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), mais tarde 1° Marquês de Pombal, promoveu no país uma reforma educacional radical após decretar em 1759 a expulsão dos jesuítas de todo o território de Portugal e de suas possessões. Pombal introduziu importantes mudanças no sistema de ensino superior do reino, passando-o ao controle total do Estado. A Universidade de Évora, de cunho jesuíta, foi extinta e a Universidade de Coimbra passou em 1772 por uma grande reforma, sendo totalmente modernizada para os padrões da época. Nessa reforma se introduziram os estudos das ciências modernas, até então banidas do currículo da Universidade. Estes estudos, centrados na recém-criada Faculdade de Filosofia, compreendiam a História Natural, a Química e a Física.
            Para esta reestruturação universitária, Portugal importou professores estrangeiros, em virtude da inexistência de profissionais versados nas ciências modernas no país. Um dos mais notáveis e influentes destes estrangeiros foi o médico, químico e naturalista Domingos Agostinho Vandelli, natural de Pádua. Domingos Vandelli foi contratado para lecionar História Natural e Química no Colégio dos Nobres, indo depois para a Faculdade de Filosofia de Coimbra em 1772, dentro do espírito iluminista da “Encyclopédie”. Sua formação acadêmica era baseada nos ideais da sistematização do conhecimento, devendo servir ao homem para classificar e catalogar a natureza, apreendendo o Universo com a razão. Partindo de tais atitudes, Domingos Vandelli mudou a visão da ciência em Coimbra, inaugurando não apenas as disciplinas de Química e de História Natural, como também o próprio prédio do laboratório químico da universidade. Este foi provavelmente o primeiro prédio construído no mundo com a função precípua de abrigar laboratórios de Química. Havia muitos laboratórios mais antigos em outros países, mas alojados em prédios adaptados para a função. No prédio setecentista funciona hoje o novo Museu de Ciências de Coimbra. Na sua primeira aula de Química, Vandelli começou o programa expondo a história da disciplina aos seus alunos, e dissertando sobre a afinidade ou atração química (Ferraz, 1995).
Domingos Vandelli adquiriu ao longo do tempo outras funções em Portugal, tais como a organização do Jardim Botânico e do Museu de História Natural de Coimbra e do Jardim Botânico do Palácio da Ajuda em Lisboa. Ocupou-se ainda em Coimbra da fabricação de louças que levavam o nome familiar de “louça de Vandelles”. Vandelli permaneceu no cargo de diretor do laboratório químico até 1791, quando se aposentou, ficando a cátedra de Química na universidade a cargo de seu ex-aluno Thomé Rodrigues Sobral, enquanto seu outro ex-aluno, o brasileiro Vicente Coelho de Seabra Silva Telles era nomeado demonstrador da mesma disciplina.
Vandelli foi um grande professor, dotado de uma enorme capacidade de entusiasmar seus alunos numa variedade de atividades. Poucos meses depois que os irmãos Montgolfier iniciassem a voga dos balões de ar quente na França, já os alunos de Química faziam o mesmo em Coimbra, como nos relata a Gazeta de Lisboa em 1784. Entre esses alunos entusiastas do balonismo estavam dois brasileiros, o já mencionado Seabra Telles e o futuro inconfidente-químico José Álvares Maciel. Os alunos de Vandelli também abraçaram com igual fervor a construção de balões de hidrogênio, assim que a novidade foi noticiada. Aliás, seu entusiasmo era tamanho que chegaram a promover, em uma ocasião festiva, a iluminação durante horas do pátio central da universidade com 150 bicos com chamas de hidrogênio, sob os aplausos do Reitor, que não tinha a menor suspeita do risco que a universidade e todos corriam.
Domingos Vandelli manteve muitas relações de amizade com cientistas estrangeiros, a exemplo de seu amigo sueco e também naturalista Carlos Lineu (1707-1778), reconhecido mundialmente pela criação da nomenclatura binomial e da classificação científica utilizando os princípios ainda hoje usados, que faz com que Lineu seja considerado o pai da taxonomia moderna. Vandelli deixou obras como o “Diccionário dos Termos Technicos de Historia Natural”, e se tornou membro de diversas Academias e Sociedades Científicas da Europa, além de ser um dos fundadores da Academia Real das Ciências de Lisboa, criada em 1779 sob a égide do 2° Duque de Lafões (1719-1806), o grande responsável pela concretização do projeto.
Em adição ao trabalho acadêmico, Domingos Vandelli foi médico e conselheiro do Regente D. João até sua vinda para o Brasil. Após a expulsão dos franceses em 1810 ocorreu em Lisboa um movimento conhecido como “Setembrizada”, no qual se buscaram bodes expiatórios para a deplorável situação em que estava o país, com o governo e a corte ausentes no Brasil. Neste processo, tão comum em épocas de conturbação dessa natureza, várias pessoas ligadas à administração pública e ao comércio foram acusadas de simpatizar com os invasores franceses, muitas delas injustamente. Nesta leva se viram envolvidos Domingos e Alexandre Vandelli, pai e filho. Desterrados para os Açores, entre outros acusados, o filho consegue ser libertado e retornar a Portugal no ano seguinte, ao passo que o velho Domingos Vandelli é transferido para a Inglaterra, só conseguindo regressar em 1815, aos 80 anos de idade.
Dentre todos os discípulos, entretanto, o maior destaque histórico recai sobre José Bonifácio de Andrada e Silva, o primeiro brasileiro a granjear renome científico internacional em vida e futuro Patriarca da Independência do Brasil. Embora a carreira política posterior de José Bonifácio seja muito mais conhecida dos brasileiros que sua ilustre carreira científica, nunca é demais repetir sua importância entre seus contemporâneos. É por isso que José Bonifácio é o patrono da maior condecoração científica outorgada pelo Governo Brasileiro, a Ordem do Mérito Científico, que ostenta sua efígie.

O maior dos discípulos: José Bonifácio de Andrada e Silva

José Bonifácio de Andrada e Silva era natural de Santos, onde nasceu em 1763. Ele se formou na Universidade de Coimbra em Filosofia Natural em 1787 e em Leis no ano seguinte.
 Assim como seu mestre Domingos Vandelli, publicou trabalhos sobre os mais variados assuntos científicos, desde a época de sua entrada para a Academia das Ciências de Lisboa. Entre suas várias publicações, a mais importante, e que lhe granjeou renome internacional foi aquela que ele publicou em alemão, na revista Allgemeines Journal der Chemie, de Leipzig. Este artigo, oriundo de suas pesquisas realizadas na Escandinávia, versava sobre 12 novos minerais estudados e descritos de um ponto de vista mineralógico e químico pelo autor. Na verdade, sabemos hoje que quatro dos minerais eram absolutamente inéditos e os outros eram novas variedades de minerais conhecidos. Entre os quatro novos minerais havia dois, a petalita e o espodumênio, que hoje chamamos de aluminossilicatos de lítio. A partir daí vários pesquisadores, em diferentes países, começaram a realizar estudos sobre a petalita e o espodumênio, os quais resultaram na descoberta de um novo elemento alcalino. Como os dois outros elementos alcalinos já conhecidos, o sódio e o potássio, haviam sido isolados de vegetais, o químico inglês Humphry Davy cunhou para o novo elemento o nome lítio, do grego para pedra, lembrando sua origem mineral. José Bonifácio é assim o único brasileiro ligado à descoberta de um novo elemento químico. Após seu retorno a Portugal em 1800, José Bonifácio se tornou professor de Metalurgia em Coimbra, uma cátedra criada especialmente para ele. Mais tarde, veio a ministrar aulas no curso químico da Casa da Moeda de Lisboa, sendo o responsável pela organização do seu laboratório, que foi o primeiro estabelecimento em Portugal a fazer pesquisas de natureza fitoquímica, sobretudo com a finalidade de descobrir um sucedâneo para a quina do Peru em plantas oriundas do Brasil. A quina era uma fonte importante do único febrífugo conhecido, donde sua importância estratégica. José Bonifácio foi então o primeiro fitoquímico brasileiro, fato frequentemente esquecido. 
José Bonifácio também ocupou muitos cargos de natureza técnica e administrativa, de grande importância política. Um destes cargos foi o de Intendente-Geral das Minas e Metais do Reino, com o qual ele acumulava a administração das minas de carvão de Buarcos e das minas e fundição de ferro da Foz do Alge (Carvalho, 1954). Portugal buscava firmar-se perante outros países no caminho da industrialização e exploração metalúrgica, movimento considerado primordial para o desenvolvimento do país.
            Durante as invasões francesas, que motivaram a vinda da corte para o Brasil em 1807, Bonifácio permaneceu no país, mesmo sendo originário do Brasil, para onde tinha ido o governo e a nobreza, e foi o responsável pelo fabrico de munição e pólvora no Laboratório Químico da Universidade de Coimbra, para a luta contra o invasor.
            A partir de 1812, José Bonifácio foi eleito Secretário Perpétuo da Academia das Ciências de Lisboa, posto que conservou até sua aposentadoria, em 1819, quando também retornou a seu país natal, que havia deixado em 1783. A partir daí sua vida será marcada, principalmente, por seu crescente envolvimento político no processo de independência do Brasil e sucessos subsequentes.

A união das gerações de químicos: surge Alexandre Antonio Vandelli

            Estabelecido em Portugal e na Europa como um grande químico e mineralogista, José Bonifácio adentrava a segunda década do século XIX como uma personalidade que conseguiu unir as armas e o intelecto. No contato direto com seu mestre Domingos Vandelli, Bonifácio conhece Alexandre Antonio Vandelli, filho mais velho deste com Feliciana Isabella Bon. Alexandre nascera em Coimbra (e não em Lisboa, como normalmente mencionado em obras históricas tanto no Brasil quanto em Portugal) em 27 de junho de 1784, quando seu pai era professor da Universidade. Nesta cidade, casa-se em 1819 com Carlota Emília, filha mais velha de seu chefe (Fonseca, 1968). A data é marcante, pois demonstra bem a relação entre as duas famílias: somente após o casamento da filha com Alexandre é que Bonifácio vem para o Brasil.
Na função de assistente do sogro, Alexandre Vandelli também trabalhou na Intendência Geral de Minas e Metais do Reino até 1819, quando, com a vinda de José Bonifácio para o Brasil, passou a ocupar interinamente a direção do órgão até 1824. Alexandre assumiu então a função de Guarda-Mor dos Estabelecimentos da Academia das Ciências, permanecendo vinculado à entidade durante toda a sua vida.
Entre os anos de 1812 e 1814, Alexandre foi membro da Comissão de Reforma de Pesos e Medidas de Portugal, tendo participado das discussões iniciais no intuito de uniformizar o padrão de medidas. Em 1814, o Regente aprovou a proposta dessa comissão, baseada no sistema métrico francês.
Além de vários trabalhos científicos publicados nas “Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa”, e de diversos manuscritos inéditos, Alexandre Vandelli publicou cinco livros em Portugal, versando sobre os mais variados assuntos de História Natural e de técnicas manufatureiras e agrícolas. (Marques, 2008):
O tema da destilação de aguardente, assunto central de seu livro Resumo da Arte de Distillação, era considerado importante para a economia portuguesa da época. Alexandre menciona o brasileiro João Manso Pereira (Pereira, 1797, apud Filgueiras, 1993), autor de livros nessa área, chamando-o de “incansável”. No livro, Alexandre Vandelli mostra sua preocupação com a economia e com as aplicações da ciência. Para isso ele cita um trecho dos Estatutos da Academia, que pregavam:

Os Membros (da Comissão de Indústria) promoverão à competência o aumento da Agricultura, das Artes, e da Indústria popular... já averiguando, e recolhendo os descobrimentos novos, e práticas úteis dos estrangeiros, que nos forem próprias, propondo-as, e facilitando-as aos nossos nacionais, &c.. (Vandelli, 1813, p. 12).

A Academia das Ciências publicou em 1814, em suas "Memórias", um artigo de 1811 intitulado “Experiências Químicas, sobre a Quina do Rio de Janeiro Comparada com Outras” de autoria de José Bonifácio, Sebastião Francisco de Mendo Trigoso, João Croft e Bernardino Antonio Gomes. Logo na primeira página os autores frisam que Alexandre Vandelli participara no preparo dos reagentes químicos utilizados para verificar se a quina do Rio de Janeiro era de boa qualidade, já que as quinas eram um produto natural de grande interesse estratégico e econômico, como já se disse. A quina era importante no tratamento contra febre intermitente, malária, feridas e inflamações. Ela era o principal febrífugo da época e de uso difundido nas armas da Corte, pois não havia muitos tratamentos específicos para ferimentos de guerra. Assim, era essencial saber se a qualidade da matéria prima, as cascas que eram usadas em Portugal e no Brasil, eram de boa qualidade.
Na cidade de Santos reinicia sua vida como negociante. Naturaliza-se brasileiro em 1838, no Rio de Janeiro, no mesmo ano da morte de seu sogro, José Bonifácio. A distância da Corte dificultava seu sucesso profissional e financeiro, por isso decidiu radicar-se definitivamente na capital (Marques, 2008). Nesta cidade Alexandre Vandelli foi professor de Botânica e Princípios de Ciências Naturais do jovem D. Pedro II e da família Imperial entre 1839 e 1862. É possível que tenha, ao final de sua vida, ministrado aulas para as filhas de D. Pedro II, assim como para outros membros da elite intelectual da Corte. Alexandre Vandelli veio a tornar-se Comendador da Ordem da Rosa em 1841 por decreto de D. Pedro II.
Vandelli foi também um dos fundadores da Sociedade Vellosiana de Ciências Naturais do Rio de Janeiro, criada em 1850 com a finalidade, segundo seus Estatutos, de “indagar, collegir, e estudar todos os objectos pertencentes à História Natural do Brasil; e juntamente averiguar, e interpretar as palavras indigenas, com que forem designados” (Paiva, 2005, p. 20). Alexandre chegou a exercer a Presidência ad hoc, assinando o Diploma do presidente da instituição, o botânico Francisco Freire Allemão de Cysneiros (1797-1874). O nome sugerido por Freire Allemão foi uma homenagem ao Frei José Mariano da Conceição Vellozo, nascido na Província de Minas Gerais em 1742, falecendo em 1811 no Rio de Janeiro. Frei Vellozo foi o autor da importante obra naturalista brasileira "Flora Fluminensis", com o resultado de suas investigações científicas realizadas na Província do Rio de Janeiro durante oito anos.
No início do funcionamento da Sociedade os sócios efetivos foram distribuídos em quatro Seções: Etnografia, Zoologia, Botânica e Geologia e Ciências Físicas. Alexandre Vandelli participava na seção de mineralogia, composta também por Frederico Leopoldo Cezar Burlamaque, Cândido Teixeira de Azeredo Coutinho e Custódio Alves Serrão (Paiva, 2005).
            Em 1853 Alexandre Vandelli foi um dos protagonistas de uma interessante querela científica com seus consócios Freire Allemão e Leopoldo Burlamaque. Vandelli doou ao Imperador D. Pedro II um trabalho intitulado “Reflexão sobre a Questão dos Nevoeiros Secos”, num total de 41 páginas manuscritas. O texto foi precedido de uma carta ao Imperador, na qual atacava seus adversários na polêmica, os quais, a seu ver, apenas “divagavam” sobre assuntos científicos.
            A questão dizia respeito a um fenômeno atmosférico: o aparecimento de nevoeiros secos no Rio de Janeiro nos meses de inverno. Tanto Freire Alemão quanto Francisco Burlamaque verificavam que o fenômeno consistia num nevoeiro denso, uma espécie de esfumaçamento não apenas da atmosfera da cidade do Rio de Janeiro, mas de quase toda a costa do Brasil nos meses de julho a outubro. Para Freire Allemão, em dois trabalhos expostos por ele na Sociedade Vellosiana, a névoa que cobria a cidade do Rio de Janeiro entre julho e outubro era apenas oriunda das queimadas, muito comuns na época.
Em contraposição, Vandelli propôs em seu trabalho que as névoas “tem relações intimas com outros phenomenos, que estão nas mesmas circunstancias, como as estrellas errantes, auroras boreaes &c.” (Vandelli, 1853, p. 7). Era uma explicação completamente diferente, apesar de ainda em voga na época, que supunha uma constante influência cósmica na atmosfera terrestre. As névoas teriam para Alexandre origem astronômica, assim como acontecia com os meteoritos, os cometas e mesmo as auroras boreais, constituídos por material de origem sideral.
Não houve, após o longo texto de Vandelli, continuação da disputa, já que após o ano em questão (1853) as reuniões da Sociedade Vellosiana praticamente desapareceram, com algumas tentativas esparsas de reativá-la, feitas por Freire Allemão, até o ano de sua morte em 1866.
Alguns anos mais tarde Alexandre Antonio Vandelli faleceu na cidade do Rio de Janeiro, a 13 de agosto de 1862, viúvo, aos 78 anos, de gastro-entero-colite. Era o fim de três gerações de naturalistas que marcaram de maneira bastante assimétrica a ciência luso-brasileira nascente.

Conclusão

            Portugal e Brasil foram nações consideradas sempre à margem do processo científico ocorrido entre os séculos XVIII e XIX. Este trabalho evidencia, através das três personagens apresentadas, que sobrevivia uma concepção ilustrada e fisiocrata de nação e cidadania desde a reforma pombalina, e que tal concepção migrou para o Brasil nos oitocentos.
Luminares da ciência portuguesa, como Domingos Vandelli, participaram da reestruturação universitária em Coimbra, o que permitiu a esta Universidade ser um pólo atrativo ainda maior de estudantes brasileiros. Entre eles estava José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido em Portugal pelos seus vários feitos científicos e no Brasil, sobretudo por sua participação política a partir de 1822. Com Bonifácio, e posteriormente com seu discípulo e genro Alexandre Antonio Vandelli (naturalista que uniu as duas famílias com seu casamento), a trajetória do saber mudou de sentido. Se antes brasileiros iam para a Europa apreender as Luzes, no século XIX passaram a retornar para o Brasil trazendo as novas ideias, disseminando-as. Este movimento tornou-se um dos vetores das profundas transformações que a nação brasileira sofreu no século XIX, exemplificado por Alexandre Vandelli, cientista vindo de terras portuguesas e que terminou sua história na Corte de um novo país que buscava construir sua própria identidade.


Referências

CARVALHO, J.S. A Ferraria da Foz de Alge. Período de José Bonifácio de Andrada e Silva (1802-1819). Lisboa: Secretaria de Minas, v. VIII, Fasc. 3-4, 1954. (Carvalho, 1954).

FERRAZ, M.H.M. Domingos Vandelli e os estudos químicos em Portugal no final do século XVIII. Química Nova, v. 18, p. 500-504, 1995. – (Ferraz, 1995).

MARQUES, A. J. Alexandre Antonio Vandelli e as ciências naturais. Anais do Congresso Scientiarum Historia / UFRJ/HCTE, p. 324-337, 2008. – (Marques, 2008).

PAIVA, M. P. Associativismo Científico no Brasil Imperial: A Sociedade Vellosiana do Rio de Janeiro. Brasília: Thesaurus, 2005. – (Paiva, 2005).

PEREIRA, J. M. Memoria Sobre a Reforma dos Alambiques ou de Hum Proprio para a Distillação das Aguas Ardentes. Lisboa: Oficina de J. P. Correa da Silva, 1797. In: FILGUEIRAS, C. A. L. João Manso Pereira, Químico Empírico do Brasil Colonial. Química Nova, v. 16, p. 155-160, 1993. – (Filgueiras, 1993).

VANDELLI, A. A. Resumo da Arte da Distillação. Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1813. – (Vandelli, 1813).

VANDELLI, A. A. Reflexão sobre a questão dos nevoeiros secos da atmosphera do Rio de Janeiro, apresentada na Sociedade Vellosiana, pelo Snr. Dr. Francisco Freire Alemão. Arquivo do Museu Imperial de Petrópolis, 1853. Cota: Maço 119 - Doc 5893 [P01]. – (Vandelli, 1853).


VARELA, A.G., LOPES, M. M., FONSECA, M. R. F. As atividades do naturalista José Bonifácio de Andrada e Silva em sua 'fase portuguesa' (1780-1819). História, Ciência, Saúde - Manguinhos, v. 11, p. 685-711, 2004. – (Varela e cols., 2004).


Publicado na Revista Química Nova na Escola, Vol. 31, N° 4, 2009.